quarta-feira, 5 de agosto de 2015

vaneça ripe

recebendo os cumprimentos após atuar como a cobra do jardim do Éden, sério

A pessoa enche a boca pra falar que é das engenharia e finge que o começo da carreira não foi de humanas, mas TÃO de humanas, que a pessoa viajava com peça de teatro experimental por teatros underground e costurava o próprio figurino. A pessoa, no caso, eu. Felizmente, não obtive sucesso em encontrar a foto desse momento sublime, em que eu interpretei, numa mesma peça, um elemental Terra (AHAHAHAHHAHAHAHAHAH), uma índia revoltadíssima com o progresso, que dizia a icônica frase "só quando pescarmos o último peixe, cortarmos a última árvore e envenenarmos o último rio, o homem se dará conta que não se pode comer o dinheiro" (AHAHHAHAHAHAHAHHA SOCORRO) e, finalmente, a última pessoa a morrer na guerra, com um grito horroroso e pendurada no palco. Cêis tinham que ver o talento transbordando.

Quando eu fiz 17 anos e faltava menos de dois meses pra acabar a escola, minha família se desesperou. Eu estava viajando com uma peça infantil sobre tolerância e direitos iguais, eu fazia o roxo, que era um filho indigno de um vermelho e um azul nobres AHHAHAHA, o negócio todo rolava em termos de cores primárias e secundárias, de modos que eu era uma criatura aprisionada e com funções sociais de menor prestígio, como tingir defuntos e beliscões. As quiança me amavam porque eu era SOFRIDÍSSIMA, mas, no fim, eu que salvava o rei azul de morrer, com meu poderoso sangue misturado. A heroína do negócio, praticamente. 


fazendo a noiva dos anos 70

Eu fazia parte do Teatro Municipal, a prefeitura tinha meu nome na listinha de pessoas que ganhavam cursos e incentivos, então qual era a lógica? Que eu fizesse vestibular pra artes cênicas. Eu estava decidida. Um pouco revoltada de ver que o futuro seria eventualmente ir pro Rio de Janeiro (eu odeio calor e praia), mas conformada. O que minha família fez?

INTERVENTION.

Um dia eu cheguei na minha vó e todo mundo em volta da mesa pra me falar os ~malefícios de ser de humanas hard core~, todo mundo explicando como eu já estava numa escola pra engenheiros, como eu só tirava 10 em matemática e física, que não podia deixar esse talento maravilhoso escapar. O que eu fiz? Um vestibular pra medicina, obviamente. Passei em 4º lugar. Falei "viram, sou inteligente mesmo e é por isso que eu vou estudar teaaaaaaaatrooooooo". Aí veio a ameaça de ser posta pra fora de casa, sem dinheiro e sem apoio, fui estudar administração, como toda boa descendente bundona de gente rica. Se bem que com 17 anos não dá pra exatamente chamar de bundona a pessoa que tem medo de passar fome e virar mendiga.

Eu tive 5 anos horríveis na faculdade. Vou pular os problemas familiares, porque foram trevosos demais e nunca se sabe quando vem uma família ler aqui. Mas na faculdade eu era a única pessoa pobre. Todo mundo era filho de banqueiro, de herdeiro de fortunas árabes, donos de empresas famosas, famílias tradicionais. Todo mundo estudou na mesma escola de crianças ricas e todo mundo já se conhecia quando eu cheguei. Fora meu sotaque paulistano e a dificuldade de compreender o curitibanês, eu não conhecia ninguém, meu cabelo não era liso (sério, todo mundo tinha cabelo liso), eu vestia as mesmas 6 peças de roupa indefinidamente e tinha um total de zero dinheiros pra viver.

Num certo momento, eu perdi todas as amizades que eu tinha, que consistia de pessoas igualmente excluídas, porque nas férias eu comecei a namorar um cara, sem saber que ele era rico. Eu descobri que ele era rico no dia que foi me buscar na faculdade de Ferrari (sério). Imediatamente, todas as minhas amigas concluíram que pra uma pessoa pobre e feia como eu ser vista com um cara rico, eu só podia ser prostituta.

Tá bom, meu bem? Foi assim essa alegria minha vida escolar.

No último ano, na hora de fazer o trabalho de conclusão de curso, era em grupo e, QUE CHOQUE, eu não tinha grupo. Eu tinha o orientador mais cobiçado da faculdade, mas ninguém queria ter seu nominho junto com o meu, embora eu estivesse nos top 10 alunos mais bem colocados no ranking (em terceiro lugar). No fim me arranjaram lá outros 3 excluídos, que eu carreguei nas costas, terminei a faculdade completamente apaixonada pelo orientador e sendo correspondida, com um total de zero amigos, porque o único que eu tinha se mudou pra California, de modos que nem da formatura eu participei. Pela minha nota no geral e no exame que era obrigatório naquela época no fim da faculdade, eu ganhei uma bolsa integral pra fazer especialização, garantia de manter o orientador e fazer o trabalho sozinha. Parecia que tava tudo """ótimo""", né?

Pois não tava.

Tava tudo um horror, não vou entrar em detalhes do relacionamento imaginário com o professor, a falta de relações humanas, a saúde prejudicada, tudo errado. Aí tinha uma professora que dizia que eu era muito EZÓTICA e até hoje quero entender o que isso significava. Eu trabalhava num lugar horrível e aconteceu um último episódio horroroso sobre o qual não falamos e eu surtei bem linda. Catei uma mochila, um notebook, três pares de chinelo (eu nunca uso chinelo) e fui pro Guarujá.

Eu tinha parentes lá, então não vou dizer que fui com a mochila e dormi na areia. Mas eu passei vários dias usando short e chinelo, com uma caixa de peças pra montar bijuteria (vamo vê se lembro de fotografar minha arte pra vocês verem), andando pela areia, entrando no mar, essas coisas que hoje não consigo nem imaginar como suportei. 

portfólio

Passei uns dias tentando cozinhar no nível do mar, mas não obtive sucesso (é quase impossível adaptar a mente pra uma diferença de altitude de quase um quilômetro), vendo gente que não existia (sério, cara, que fase), acordando cedo, dormindo cedo, batendo palma pro sol.

Foi uma das poucas épocas da minha vida em que eu não cuidei do cabelo, não usava nada movido a eletricidade pra manter minha juba quilométrica comportada MEU DEUS DO CÉU ACHEI A FOTO HAHAHAHAHAH


olha essa saia, olha essa chinela, olha essa trancinha
(lembrando sempre que eu estava obesa e minha família me mandou procurar ajuda)

AHAHAHAHAHHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA SOCORRO.

E cê veja que eficiência em ser hippie: na área vip de um show que tenho vergonha de dizer de quem era asa de águia.

(Na mesma pasta tem uma quantidade de foto de sol nascendo que não dá pra calcular hahahahahaha.)

Não tem muita emoção nesse período, fora essas escolhas erradas de vida, de roupa, de penteado e musical. Eu passei 20 dias comendo comida saudável, sendo zen, usando chinela em público (eu mal uso em casa), usando regata (eu apaguei essa lembrança), saias horríveis, bermudas e shorts. 

Tudo tava indo muito bem, até que eu conheci um lindo surfista alto, louro, bronzeado, de olhinhos verdes e longos dreads no cabelo e um pilçin na sobrancelha. Não foi nada romântico, compreende? Era só uma pessoa que surfava nas maravilhosas ondas do Guarujá na mesma altura da praia onde eu ficava sendo hippie, com um funcionário do prédio onde eu estava hospedada carregando cadeira e guarda-sol, montando tudo, trazendo lanches ocasionais e carregando tudo de volta no fim do dia. 

Aqui no trabalho tem um comunista rico, eu acho super legal ser comunista usando all star de couro, levi's, caterpillar, igual eu sendo hippie na cobertura e com serviçal à disposição, eu acho muito maravilhoso.

Aí era um tal de encontrar ~casualmente~ o menino dos dreads que começou a ficar chato. Um dia a gente foi andando e acabou parando na frente de um estúdio de tatuagem, pilçim e que tinha fazedor de dreads também e... eu entrei pra fazer um orçamento HAHAHAHA.

Minha tia me perguntou casualmente o que eu estava pretendendo fazer e a resposta foi: um pilçim na sobrancelha, um bracelete tribal e dreads, obviamente. Neste momento, shit got real e aparentemente meus pais receberam uma ligação que terminou no meu pai aparecendo também casualmente três dias depois no Guarujá pra me buscar, porque alguma coisa muito importantíssima estava acontecendo em São Paulo. Se ele não chega, quase que dá tempo de eu ter uma história bem diferente pra contar pra vocês hoje. MAGINA UM BRACELETE TRIBAL, GENTE. hahahahaha.

A coisa importantíssima que estava acontecendo em São Paulo era um ônibus me esperando pra levar de volta pra Curitiba naquele mesmo dia, porque tinha alguma coisa também muito importantíssima por aqui. Cheguei 5 horas da manhã, minha mãe esperando na rodoviária com a notícia: às 8 você tem uma prova pra fazer, é concurso. Vai chegar em casa, tomar banho, trocar de roupa e ficar pronta.

Fiz tudo isso e fui carregada pro local de prova, onde entrei e dormi até o fiscal me avisar que era pra começar a responder as questões.

Eu passei nesse concurso.

Nunca assumi a vaga, porque eu passei em mais outros três, no mesmo mês.

Tô de parabéns ou não tô? De espírito livre a burocrata na velocidade da luz. 

Cêis fiquem aí aguardando, que um dia eu entro no curso de letras, que é o projeto: Humanas atual e vamo ver quanto tempo leva até alguma coisa chatíssima me alcançar e me prender de novo. Se bem que tamo aqui forte no projeto: Suécia 2017, de repente toda essa história estúpida de vida foi pra me levar pra Europa antes dos 40.

Vamos todos rir juntos.

Oremos.