Não sei se é as vibe do momento, esses lance de trânsito saturado e tal, mas as pessoas de repentch perceberam que de vez em quando eu ando de bissy. Tá certo que nas últimas semanas eu tenho andado muito mais e isso se deve ao fato de que eu quero evitar um ataque cardíaco antes dos 40, e nem é por falta de exercício físico (prova), é porque eu não tenho paciência com curitibanos em geral.
Da minha casa até o trabalho são 8 quadras, a academia no meio do caminho. Nessas míseras quadras que eu ando todo dia, eu consigo me estressar 87 vezes. Reflitão. Tomei uma decisão pela minha magreza e pelo meu bom estado de espírito e vou de bicicleta sempre que dá pra voltar pra casa sob a luz do dia (não perguntem, não tô afim).
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Minha história com a bicicleta começou cedo. Ganhei a primeira com uns 3 anos. Era uma Caloi preta e amarela, porque eu fiz questão de explicar que cor de rosa nem pensar. Era daquelas pequeniniiiinhas, com as rodinhas e coisa e tal. Aprendi a andar com essa aí.
Depois eu tive uma Cecizinha. Azul, obviamente. Tinha cestinha, tinha coraçõezinhos, tinha os friquefrique tudo, mas não era cor de rosa. Mas eventualmente minhas pernas cresceram além do tamanho da Ceci, meu vô me levou no porão da casa dele e me mostrou a bicicleta mais legal da história: uma Caloi vintage vermelha, LINDA, com aquele guidão bizarro, tipo rarleidêiviso, sabe?
tipo isso
(Minha mãe veio aqui dizer que era Monark, mas não achei nenhuma Monark com essa molinha aí em cima da roda da frente e a minha tinha essa mola preta medonha.)
Bom, qualquer que seja a marca dessa bicicleta, ela saiu do porão escangalhada e foi renovadíssima pelo meu querido vovô, de modos que eu pudesse esfregar na cara da sociedade a minha bicicleta diferente da de todo mundo. Nenhuma BMX, nenhuma mountain bike (hahahaha que vibe), nada rosa, nada verde. Já era hipster naquele tempo? Jamais saberemos.
A única coisa que sabemos é que foi com aquela bicicleta que eu quase me matei.
Eu morava num condomínio com 7 ruas. ISSO MESMO, sete ruas, gente pra cacildis, muito espaço, inshalá. Minha rua era a primeira, aí eu ia pela rua principal e ia fazendo ziguezague de rua em rua e coisa e tal. Na principal dava pra correr, porque era mais comprida. Então eu entrava na minha rua pedalando loucamente, fazia a volta, corria de novo e entrava na principal bem louca, pedindo pra ser atropelada. Minha mãe mandou parar de correr uma vez, duas vezes, na terceira provavelmente pensou "Darwin resolve" e largou mão. Lá pela décima quinta vez, eu errei a curva e subi na calçada. "Subi". Fui arremessada para a órbita terrestre e voltei, dando 48 loopings no processo, parando de quicar mais ou menos uns 20 metros depois do lugar onde eu bati. A última pancada foi da minha cara no guidão. Ele era tipo uma florzinha na beirada e queimou esse belíssimo formato na minha bochecha e foi rasgando a minha cara até a beiradinha do meu olho. Só não me fatiou em duas por JESUS PÔS A MÃO.
Cheguei em casa com mais ralados que podia contar, as duas mãos em carne viva (adoro essa expressão?), os joelhos ensanguentados, um cotovelo que não desdobrava e a cara dividida em duas, com sangue escorrendo da testa até a bochecha.
Minha mãe me olhou com muita calma, me mandou entrar no banheiro e tomar banho imediatamente. IMAGINA OS GRITOS. Quando eu finalmente parei de arder, ela me mandou sentar no sofá e tacou merthiolate. Daquele que ardia, esse mesmo. HAHAHAHAHAHAHAH. Pensa num castigo.
Foi um parto pra desentortar a bicicleta, mas a vida dela nunca mais foi a mesma.
[Aí, enquanto eu tava sem a bendita bicicleta, resolvi que ia só andar de patins. Um dia meu patins arrebentou enquanto eu descia uma ladeira, uma perna foi, a outra ficou e eu caí sentada no asfalto. Até aí tudo bem, se eu não estivesse usando saia-short (pqp, que pesadelo dos anos 90), ela não tivesse voado e eu não tivesse descido ralando na boquinha da garrafa por uns bons dois metros. CABÔ BUMBUM.]
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Aos do[u]ze anos eu me mudei pro interiorrrr, naquele tipo de cidade em que NO HAY transporte público. Sempre tem alguém tentando me convencer de que havia uma (UMA!) linha de ônibus circulando, eu vos digo que: nunca vi. Tinha a linha que levava as quiança pra escola - não era linha comum, não era perua, era um ônibus que levava pra escola - e eu usei essa por um tempo, quando morava """"longe"""". Mas rapidamente as crianças do interior percebem que o melhor meio de transporte do mundo é bicicleta. Dá pra andar pela cidade toda a pé, mas num lugar onde faz 38 graus Celsius às 7 da manhã, a gente fica com um pouco de má vontade. Eu ficava.
Não lembro exatamente quando, mas eu ganhei outra bicicleta vermelha. Mais modernets, com marchas, grandona, muito bonita. Era sensacional, porque eu sabia ir pra todos os lugares possíveis com ela e não sabia voltar de nenhum HAHAHAHAH. Sério, problemas inexplicáveis de localização. Tenho uma amiga que nunca supera o fato de que eu chegava facilmente na casa dela e precisava de pelo menos uns cinco minutos de explicações pra ir embora. TODA.VEZ. Um dos meus melhores amigos no mundo até hoje era o único que eu conseguia visitar e partir com a mesma desenvoltura, apenas porque ele morava duas ruas acima de onde eu já tinha morado.
Tinha também aquele pessoal que eu curtia stalkear muito tempo antes das redes sociais. Ser aborrescente nos anos 90 não era fácil, a gente tinha que ficar na rua da casa da pessoa pra saber aonde ela ia, não tinha feice, não tinha foursquare, não tinha check-in no instagram, gente. Era difícil.
Eu tinha uma quedinha por um jovem chamado ATÍLIO (homem bonito não deveria ter nome feio, né? Se bem que Atílio só era bonito na minha imaginação.) (A música tema do nosso amor era short dick man AHHAHAHA. Porque Quatro por Quatro era a novela da época, ai que glória.). Pois eu vivia na rua do Atílio. Se você me levar naquela cidade horrorosa e me largar lá, não tenho a mínima ideia de que lado fica esse lugar. Mas naquele tempo era parada obrigatória. Um dia me dei conta que Atílio jamais me daria bola e fui passear por outras quadras. Sempre com um objetivo nobre em mente. HEH.
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Mas eu morava numa casa num bairro assim, como direi, meio caído. Minha casa era muito muito muito grande mesmo, com um quintal de mais de 800 metros quadrados. Num cantinho, minha mãe construiu uma casinha de madeira, que era tipo um depósito. Tinha desde sacos de cimento (casa de engenheiro tem coisas que não fazem sentido empilhadas sem propósito) a uma coelha que moravam lá dentro. Também era o lugar onde minha bicicleta dormia. Nossos muros eram muito altos do nosso lado, mas baixos do lado de fora. De modos que cimentos, rastelos, coelhos, bicicletas, etc, dormiam trancados.
Pois não teve um espírito de porco arrombador que atravessou nossos lindos muros, arrombou a casinha e levou apenas minha bicicleta e a coelha? MINHA.BICICLETA.VERMELHA. Aí teve a investigação da poliça, que recuperou apenas o quadro da minha bici e a coelha inflacionada: emprenharam a coitadinha.
Meus pais sempre tiveram seguro de tudo que é coisa existente no universo, de modos que minha bicicretinha estava segurada. Fomos lá buscar os dinheirinhos pra comprar uma nova. Eu nunca conseguia escolher, porque nenhuma era igual minha bici vermelha maravilinda, meu coração é vermelho ê ê ê ê. Minha mãe acabou com a palhaçada e foi lá comprar uma azul (azul pode) e comprou logo uma roxa igualzinha pra minha irmã.
A bicicleta azul foi muito feliz. Eu tinha dois amigos com quem eu vivia pedalando pelas ruas da cidade. A gente passeava muito muito muito mesmo. Depois veio meu irmão imaginário (ainda que a pessoa fosse real), e a gente também, gastou os pneus dessa bicicleta. Até o dia em que eu fugi de casa pela 39845ª vez (desculpa, mãe) e pretendia ir pra cidade vizinha pedalando (uns 40 km só, chegaria lá em umas duazora, tava tudo certo hahahaha), pra casa da minha vó. Meu irmão imaginário tava chegando de outra cidade que fica entre essas duas e me viu na rodovia. Correu até em casa, pegou a própria bicicleta, me alcançou, me deu 87 broncas e me rebocou de volta pra casa, donde fiquei de castigos eternos por um mês.
Teve também o episódio da corrente quebrada. Eu tava pegando um menino que morava no centro da cidade. Aquela cidade que parecia um buraco, de modos que nas beiradas era tudo subida e o centro era um fundão. Na ida pra casa dele, minha corrente arrebentou. Descida, a gravidade ajuda, cheguei e fiquei de buenas. Na volta, eu tinha toque de recolher. Esqueci da corrente quebrada. Um caminho que me custaria 10 minutos pedalando, custaria pelo menos o triplo andando & carregando bicicleta. Cheguei em casa quase uma hora atrasada, minha mãe cogitou me matar, foi aquele deus nos acuda. Fiquei UM.ANO.INTEIRO. de castigo haahahhaha.
Aí teve o incrível caso do menino por quem eu tive uma paixonite infinita que dura até hoje, mas o universo não quis que desse certo. Passei por todas as fases: stalkeação, desistência, superação, recaída. Um dia, toquei a campainha dele pra convidar prum criativíssimo passeio de bicicleta. A mãe dele atendeu a porta e disse: não.
Aposentei a bicicleta e mudei de cidade, estado, país. KKK, mentira, o país é o mesmo.
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Quando eu fugi de casa de novo e vim parar em curitola, eu só voltei pra buscar duas coisas: a única blusa que eu tinha e minha bicicleta.
Ela foi companheira de belíssimos momentos, como minhas idas ao estádio de futebol. Eu estava proibida de entrar, mas não de ficar com ela debaixo da arquibancada, ouvindo a torcida e o radinho de pilha dos tiozinhos que dividiam a calçada comigo. De passeios proibidos na canaleta do ônibus. De idas e voltas da academia, quando não tinha um centavo pro busão (mas pra academia tinha, por isso que era magra). De idas e perdidas ao Jardim Botânico, a tudo que é parque e shopping dessa cidade.
Até que um dia. Bom, tentaram roubar a azulzinha também.
Tava eu em casa, na companhia do meu pastor alemão superdesenvolvido, quando ouvi a patinha (bondade minha) dele raspando na porta, pelo lado de fora de casa. Ele NUNCA fazia isso. Não quis abrir a porta pra olhar, então subi as escadas e fui olhar da janela de cima, de onde teria uma visão melhor. Pois não é que tinha um imbecil andando pelo muro do meu lar?
Ao me ver na janela, meu cão saiu então pro ataque do meliante, quase derrubando o imbecil do muro. Antes de cair, ele se agarrou na irmã gêmea da minha bicicleta, arrastou aquela e a que estava presa nela muro abaixo e foi-se embora.
Enquanto tudo isso acontecia, eu ligava pra polícia, que chegou uns dois minutos depois de ele sair. Fiquei com raiva da bicicleta e passei ANOS sem encostar nela.
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Aí eu tava lá tendo um problema com o véio e com o turista. Sendo esses dois meus colegas de trabalho. O véio, que chega no trabalho na mesma hora que eu, queria sempre parar na mesma vaga que eu. Mas eu chegava antes, parava e o véio vinha atrás buzinando, DEPOIS que eu já estava estacionada. Sério. Teve um dia que ele me ameaçou trancar meu carro com o dele, se eu não saísse da vaga. Véio descompensado do inferno.
Troquei de estacionamento pra um muito ruim. Mas ruim mesmo. Aí um faxineiro resolveu que minha vaga era lugar de empilhar folhas BEM.NA.HORA. do horário de chegada da galera. E ameaçou amassar minha placa.
Troquei de vaga por uma meio ruim de manobrar, acreditando na paz cintilante que ela me traria. Bom, aí veio o turista - um amiguinho que só trabalha quando quer, na hora que quer - e, quando aparece magicamente pra trabalhar, adivinha onde ele quer deixar o carro?
Fora a incrível capacidade de stress nessas míseras 8 quadras, um farol, uma rua preferencial. Gente, não tem condição. Curitibano é um povo que leva 30 segundos pra sair depois do farol verde, de modos que arranca o primeiro carro e já tá amarelo de novo. Eles dão seta na curva. JURO. A rua ameaça uma entortadinha, eles dão seta. MAS PERGUNTA SE DÃO SETA PRA TROCAR DE VIA? Mas nem pra salvar a mãe.
Então um dia eu arrastei minha bunda até a loja de esportes mais próxima e comprei o que faltava: buzina, farol dianteiro, luzinha piscante traseira, cestinha, coraçõezinhos, etc etc etc. Capacete não, que eu não sou obrigada e não vou usar, vão reclamar com as suas vó ou até mesmo a vó Gertrudes. Se virar obrigatório, eu largo a bicicleta. Mas capacete eu não vou usar.
E bom, tamos aí, desde o meio do inverno, sendo mais felizes e magras com o meio de transporte. Nunca mais tive que desistir da academia por falta de vaga. Nunca mais vi o véio ou o turista (mas pode ser que no caso do turista ele nem esteja realmente lá). Até pro centro da cidade eu tenho ido de bicicretinha, ninguém segura mais. Projeto magra & rica 2014.
Agora só peço a São Pedro que evite calor, porque é a única coisa que me impede de sair alegre de bici de casa. Porque até chuva torrencial eu já levei de boa. Mas chegar nos lugares com brilho natural é que eu não quero.
Se eu fosse vocês, tentava também :P