segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

karma is a bitch




Eu não bebo.

Não é uma coisa assim, amish nem nada. Também não sou alcoólatra em recuperação, como já me perguntaram infinitas vezes nessas mesas de bar da vida. Eu apenas acho o gosto, o cheiro e o efeito do álcool insuportáveis. (Acho que os bêbado tudo tinha que desmaterializar.)

Diz um dos meus milhares de médicos que o fato de ter nascido com um rim avariado, que foi se estragando até morrer pode ser responsável por isso. Uma defesa do organismo para coisas que sobrecarregam naturalmente o sistema urinário de qualquer pessoa, mas pro meu é trabalho dobrado. Descobri, por exemplo, que é por isso que eu não suporto feijão. Também acontece pra conservas (isso explica o ódio infinito por azeitona) e a maioria das carnes. Cada dia eu consigo comer menos.

Bom, quando eu era criança, minha mãe sempre fazia aqueles bolos com recheio trabalhado no licor, sabe qual? Eu odeio esse tipo de bolo, tadinha. Ela ama e sempre taca St. Remy nos bolo tudo, eu tenho que lembrar toda vez que não vai estar sendo possível. Trufa, não como nem morta. Aqueles bombonzinhos que têm recheio de birita eu não aguento nem o cheiro. 

Obviamente nunca fiquei bêbada na vida. Já tentei, mas minha garganta trava antes de meio copo de qualquer coisa alcoólica. Trava. Não me pergunta como funciona isso, só sei que imagino que seja a mesma sensação de tentar comer, sei lá, minhoca. Não desce.

Isso é só pras vossas pessoas compreenderem que eu não ingiro álcool, essa ainda não é a história.

*****

Eu já fui ainda mais falida.

Teve um tempo em que meus pais tinham três casas operantes (com gente morando, conta pra pagar e tal), minha mãe fazia uma faculdade de mensalidade exorbitante, meus irmãos em escolas caras, só meu pai trabalhando enquanto o resto todo estudava. OUSSEJE. Pra minha alegria, nessa época eu estudava numa business school de gente rica. Mas assim, rico de novela, compreende? Gente que passa o fim de semana em Miami (rico bunda, mas rico). Gente que ganhava Audi TT de aniversário de 18 anos. Gente cujos lavabos eram maiores que meu quarto, que eu dividia com meus dois irmãos. Se eu era pobre num aspecto absoluto, quando comparava com essa gente, eu era praticamente um caso de caridade.

MAAAAASSSSSSSSS eu sempre fui mais inteligente (e pedante) que todo aquele monte de gente rica, de modos que foi assim que eu adquiri amizades. Eu entrava com os neurônios e eles entravam com os convites pra frequentar seus belíssimos solares.

O que ninguém sabe é que, apesar de eu ser pobre, minha família nunca foi. Eu sempre estudei em escolas maravilindas, com gente cuja casa tinha 5 andares e mordomo. Meus avós sempre tiveram dinheiros e coisas, de modos que essa riqueza dos meus ~amigos~ não me deslumbrava. Só me deixava #chatiada mesmo. (Mais por ver meus pais se matando e contando moeda que propriamente por não ter dinheiro em si, mas ok.)

Bom, aí tinha essa menina que era emergente. Filha de ex-favelado que deu certo (ele tinha orgulhinho de se apresentar assim), a nega achava que comprar na Forum era muito chique (HAHAHAHHAHAHAHA). Mas ela era meio gordinha e esse tipo de marca não curte muito cobrir gente que não é esquelética, então rolava meio que um dilema no atendimento. Eu, pobre e magérrima, nunca tive uma peça de roupa daquele lugar. A fia, gordinha e rica, tinha um cartão de fidelidade trocado por mês, e ó que precisava de 10 compras de 100 reais. Se isso não é grandes coisa agora, em 1998 era. Minha mesada era cinquentão HAHAHAHAHAH.

Eu não sei se meus passeios como sidekick aconteciam porque eu era a única pessoa com menos dinheiro que ela ou porque ninguém mais teria paciência pra isso. Como eu não tinha problema nenhum em ver os outros gastando dinheiro em tralha sem sofrer , eu acho que virei a companhia perfeita. Não fosse por essa menina ter uma melhor amiga de infância, tão emergente quanto. Vamos dizer que o nome dessa menina, para fins didáticos, era Eduarda.

A nega se dizia riquíssima, mas se eu contasse pra vocês onde ela morava, eu me pergunto como tinha gente que levava a sério. E a menina se incomodava comigo. Se era meu corpinho raquítico, se eram meus neurônios ou a minha completa falta de interesse em compras, jamais saberei. Só sei que dei 3 chances pra ela, contando com a primeira vez em que ela me esnobou.

Strike one: tava eu um dia na casa da minha coleguinha, quando a fofa chegou. Mal entrou e já olhou com desprezo, porque "cê jura que essa menina tá aqui?". As duas estavam planejando uma viagem de fim de ano pra algum lugar whatever nos Estados Unidos, enquanto eu jogava Mario Kart. Como sempre, eu evitava me intrometer em conversas das duas, mais ainda se eu não tinha nada pra acrescentar. Todo mundo sabia que eu nunca tinha estado nos EUA. Depois de umas duas horas tagarelando, me vira a iluminada e diz "acho chato quando a Vanessa tá aqui, porque a gente tem que ficar procurando um assunto que ela possa conversar e eu realmente não consigo pensar em nenhum". AHAHHAHAHAH não é uma linda?

Strike two: por alguma razão que jamais me lembrarei, fui convencida pela minha coleguinha a ir na casa dessa monstra. Chegando lá, uma vibe meio baixo astral acontecendo, fiquei bem quieta e não perguntei nada. Não demorou muito pra que ela começasse a contar que tinha perdido uma fortuna em roupas exclusivas um pouco mais cedo. Perguntaram como foi, e ela "eu tava no meu carro, aí dois caras me pararam, armados, me mandaram descer do carro. Eu disse que podiam levar, eu só queria tirar minhas sacolas" e choraaaava. "Eles não me deixaram pegar as sacolas!". Todo mundo desesperado por causa das armas, do carro, da violência. E ela "gente, isso não é importante. Minhas roupas eram importantes". Pensa numa pessoa maneira.

Strike three: pra variar, eu tava enfiada na casa da minha coleguinha, quando a monstrinha ligou e convidou pra fazer compras. Minha amiga não disse que eu estava junto e não me disse, quando me chamou pra ir ao shopping, que a gente encontraria a outra fofa lá. Num era mais fácil ter me deixado em casa? Considerando que minha casa era duas quadras dali? Não. Tinha que me levar. Chegamos lá e, antes de cumprimentar minha amiga, a querida virou os olhos e fez a maior cara de derrota. "Por que você traz ela? Ela nunca tem dinheiro pra comprar nada, é chato!".

E eu pedi encarecidamente pra minha amiga não me obrigar a dividir o mesmo ambiente que ela. Me manda embora se ela vier visitar, me diz pra ir pra casa se for se encontrar com ela, me diz que nunca mais vai sair comigo, mas PELAMOR, não me faz mais socializar com essa insuportável.

E assim foi.

*****

Dez anos depois, eu estava muito maravilhosa no silviço público, ganhando muitos dinheiros (sdd dinheiro), com muitos amigos que compartilhavam da minha situação social. Ó que glória. 

Não sei se nos seus grupo de amigo ou na sua região se deu esse fenômeno, mas aqui em curitola, nessa faixa etária dos 30 +/-5 (q), o povo entrou numas de ~cerveja gourmet~ (que preguiça) (aháááá, a função da primeira parte da história finalmente fica esclarecida). E da noite pro dia começaram a aparecer bares especializados em cerveja cheia das firula, desde déizão a garrafinha a preços estratosféricos, que pagam coisas muito mais maravilhosas, como 25 pizzas.

Entre nós, pra começar essa frescura, um """""""""""""""""""""""""""sommelier de cerveja""""""""""""""""""""""""""" (kill me now). Esse infeliz conhecia o dono de um bar fresco, levou um bando de pós aborrescente fresco e endinheirado lá, pronto. Ferrô. Aí hoje eu tenho que conviver com um bando de CHAAATO, que diz "sério que só tem skol nesse bar? Afffe, não vou.". Gente, sério. Que inferno. De modos que naquele ano, a gente foi 50 vezes nesse mesmo.bendito.bar.

Era tanto dinheiro que meus amigos gastavam lá, que a gente acabou conseguindo uma "mesa especial", que ficava isolada do bar todo, com espaço e um tratamento praticamente VIP. O staff inteiro do bar conhecia cada um pelo nome (incluindo a doente que só bebe água ou coca), já sabia o que a gente ia comer, beber, o esquema todo.

Depois de um ano inteiro indo lá, todo mundo resolveu levar a coisa pra todo um novo nível, comemorando absolutamente todos os aniversários lá também. Com o circo inteiro: bexiga, confete, chapeuzinho, língua de sogra, bolo, brigadeiro, etc. E um desses aniversários foi em dupla e uma zona especialmente gigante na ~área vip~. 

Tava todo mundo doido do fiofó nesse dia, me fazendo fazer (q) todos os pedidos de bebida. Nego tacava a comanda na minha mão, dizia o nome da cerveja e eu pedia. "Um chopp weiss", "uma stout", "uma pale ale". Pedindo cervejas pelo nome. Berrando "DESCE TUDO QUE EU SOU RICAAAAAAAAA". Todos ri, tá tudo lindo. Um trilhão de bexigas, confete até na alma das pessoas, tralha de festa colada por tudo que era lado, incluindo o de dentro dos vasos sanitários. UMA.ZONA.

Nesse momento, nosso garçom favorito diz que o bar tá bombando e vai mandar a menina que tá só quebrando galho pra gente, porque nossa mesa é fácil de atender. Vem a menina e as comanda tudo na minha mão e eu pedindo cerveja como se soubesse o que tô fazendo. A menina não olha na minha cara. As pessoas me chamam de rica e me jogam confete. A menina não olha na minha cara. O marido de uma das aniversariantes resolve pedir uma cerveja que custa uma fortuna, me dá a comanda, eu chamo "mocinhaaaa", ela vem, eu peço a bendita cerveja e falo que é por minha conta porque eu sou ricaaaaaaaaaaaaaaaaaa e ela nem.olha.na.minha.cara. Eu fico sem graça, porque pareço mais pedante que o normal, então pego no braço dela pra explicar a brincadeira. Quando a menina se surpreende com a minha mão pegando nela e finalmente olha na minha cara, eu quase caio da cadeira.

QUEM TÁ ME SERVINDO?

Isso mesmo, Eduarda, aquela fofa.

Fiquei em choque. Na minha mente, o barulho todo some e eu só escuto minha própria voz berrando "Eduarda? É você, Eduarda?". A menina ficando branca, baixando os olhos em desespero e apenas desaparecendo cozinha a dentro. Falei pra todo mundo parar a palhaçada de me fazer pedir bebidas, parei de berrar, fiquei ali meio perdida, porque gente, não foi minha intenção. Aí meu eu bocó interior ficou divididíssimo entre a alegria de SAMBAR na cara da infeliz e o pavor de ter o caráter estragado por essa gente ridícula. De qualquer modo, aproveitei a glória de estar do lado oposto e ainda assim ser uma pessoa melhor que ela (pronto, cabô a glória) e parei de palhaçada.

No fim da festa, com o bar vazio, só restava a nossa mesa e a nossa zona. Vi o dono do bar vindo na nossa direção e brinquei com o pessoal que ele tava vindo dizer que era hora de ir pra casa. Ele diz "tá doida? Agora que acalmou aqui e eu posso aproveitar a festa, vocês ficam!". O povo aplaude e ele completa "só vou pedir pra menina dar uma varrida aqui, pra dar uma melhorada nessa zona". E chama a Eduarda. Ameacei levantar da minha cadeira e ele "por favor, fica aí. Só levanta o pezinho e ela varre em volta sem te incomodar". 

GENTE. GEN.TE.

Ela saiu e eu perguntei pro dono se ela era nova ali. Ele responde que na verdade é só uma pessoa que ele conhece e tá ajudando, porque ela tava sem dinheiro nenhum e pediu socorro. Aí ele dava esse extra pra ela em dia de muito movimento. Reflitão.

*****

Fui pra casa e contei essa história pra minha mãe aos prantos, porque eu sou a pessoa mais imbecil que já andou neste planeta. 

Obviamente voltamos lá na semana seguinte (e mais umas outras 100 semanas além dessa) e eu refiz meus laços com Eduarda. Assim, nunca ficamos amigas, mas pela primeira vez na vida passamos mais de 5 minutos no mesmo ambiente sem fazer da vida da outra um pesadelo.

Eventualmente ela achou um trabalho bom de verdade e foi embora. Não só do bar, mas do país. Fui convidada pra despedida, com mais medo de encontrar a """""amiga""""" em comum que qualquer outra coisa. Ela não foi. Eu abracei a Eduarda e desejei boa sorte, do fundo do coração.

Não foi a primeira vez que eu vi o karma atropelando alguém que foi ruim comigo, num vou ser eu a ser ruim com os outros a essa altura da vida, né? Só quero karma bom na minha direção :P