segunda-feira, 2 de setembro de 2013

a coisa mais besta da vida é que ela continua.

(Eu já aviso que esse post pode não ser muito fácil de ler, porque está sendo realmente difícil de escrever)


Sexta feira, uma amiga minha morreu.

Todo mundo sabe que eu trabalho numa universidade, né? Se não sabia, sabe agora.

E eu trabalho lá há 9 anos, apesar de conhecer muitas daquelas pessoas muito antes, porque o meu primeiro chefe era o orientador da minha mãe no mestrado, muitos anos atrás. Quando eu cheguei lá, minha mãe já trabalhava lá. Meu amigo de sala tinha a mãe na sala ao lado. A gente conhecia filhos, sobrinhos, pais. Até meu cachorro eu levei pra passar um dia no trabalho comigo. É tipo família.

Depois de tantos anos, a maioria das pessoas estava acostumada com as minhas roupas que não fazem sentido, com os meus penduricalhos e com toda a sorte de porcaria absurda que eu levava pra lá. Mas ela não. Ela ainda achava tudo engraçado ou curioso e às vezes eu comprava um igual. Outro dia ela gostou de uma dessas coisas minhas e eu fui lá e comprei um pra ela.

No dia seguinte, ela me ligou.

"Vá, compra um pra mim?"

Eu já tinha comprado e ia dar de presente no dia seguinte, mas só disse que sim, eu compraria um pra ela.

No dia seguinte ela não foi trabalhar. Estava com muita dor de cabeça e tinha ido ao médico. Vocês imaginam o tamanho da dor de cabeça que motiva a pessoa a ir ao médico, né? "Mas não é nada, só um remedinho e amanhã eu tô de volta".

Pois amanhã ela estava em coma. Como ficaria por 40 e tantos dias e, por fim, morreria na sexta-feira. 

A morte, em si, não foi surpresa. Mas a condição, sim. Num dia você está falando alegremente com a pessoa pelo telefone, no outro ela está entrando em coma. 

Eu não perdi muita gente na minha vida. Perdi um avô quando eu mesma estava no hospital perdendo um rim. Perdi uma avó em outra cidade. Perdi meus bisavós que também estavam longe (quando morreram). Perdi outro avô que foi enterrado em outra cidade. Todos muito próximos e queridos, mas cujos velórios e enterros eu não participei. E velhinhos, né? Aquele tipo de morte que você entende. "Viveu bastante, faz parte". Porque as pessoas morrem desde a era das cavernas, mas a gente não aprende a lidar com isso. Eu, pelo menos, não sei. Nunca tinha perdido alguém do convívio diário, relativamente jovem, que não estava gravemente doente, sei lá.

A única coisa que me conforta é que minha última conversa com ela foi muito alegre e ela estava muito feliz. E minha última ação em relação a ela foi comprar um presente. (Aquele auto conforto que não pode ser mais egoísta, obviamente.)

*****

O mais triste quando alguém morre, é ver que a vida continua.

Você ainda tem que fazer coisas básicas como escovar os dentes e comer. Você tem que lembrar de ir à farmácia e à padaria e colocar água pro cachorro e colocar a roupa no varal. E você pensa na família da pessoa, nas coisas que você queria poder fazer por eles, mas não pode. E você tem que trocar o gás e buscar alguém no trabalho e lavar a louça.

Chove e você não reclama, porque alguém não pode mais ver chuva. Faz sol e você não reclama porque alguém não está mais lá pra sentir calor. Venta e você não reclama porque alguém não está mais lá pra ficar despenteado. Você fica preso no trânsito e aceita, porque alguém não vai chegar em casa pro café. E por uns instantes você também não aceita que essas coisas todas sejam boas, porque parece injusto ficar feliz por estar vivo, quando alguém não está.

E aí vem a segunda-feira e você volta a trabalhar. E todo mundo tá trabalhando como se nada tivesse acontecido, como se ninguém tivesse faltando. E eu m lembro de todas as vezes em que eu fiquei doente e me recusei a faltar no trabalho pra me recuperar ou ir ao médico e minha mãe dizia "se você morrer, esse lugar continua." Eu não podia imaginar o quanto ela estava certa. Se você não faz, alguém faz. E a realidade passa como um rolo compressor sobre o fato de que você não existe mais.