... no meu quarto.
Nossa, se tem uma coisa que eu não admito me deixa nervosa é esse povo do: saí de casa, e agora?
Aí vem tutorial de como ser feliz morando sozinho ou com o namorado e eu quero arrancar a minha cara de nervoso com as dicas super inéditas, tipo "a roupa não se lava sozinha".
é memo, é?
Essa semana vi uma tag rolando pelas ~blogueiras famosas~ sobre as coisas loucas de morar sozinho. E morri de odinho tudo de novo.
Ano passado uma conhecida minha casou e eu encontrei com ela uns dois meses depois. A menina dizendo que toda semana levava roupa pra casa da mãe pra lavar, que tava morrendo de fome porque não aguentava mais delivery, que a casa tava nojenta porque limpar é chato. Eu só sorrio e aceno, né?
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PARÊNTESE: esse post começou a ser escrito um pouco antes e terminou um pouco depois do anúncio dos temas da...
de modos que estou encaixando-lo no tema: independência.
Tem muita gente que faz cara de horror quando descobre que eu moro com meus pais. Alguns tentam disfarçar, mas a maioria solta aquele "ahhhhh, por iiiiisso que sua vida é esse sossego. Cama arrumada, comida pronta, roupa limpa, assim até eu".
POIS É. EU NÃO.
Eu tinha uns 10 anos quando, num dia de chuva, eu resolvi sair de casa de blusa branca. Na frente do meu condomínio tem um parque com lago, pato, árvore, grama e coisa e tal, um relevo bem complexo, com uns morros altos que acabam na beira do lago. Pois eu fui lá de blusa branca num dia de chuva e fiquei andando na beiradinha do morro. Pisei num pedaço de terra sem grama, o tênis escorregou e eu SHUUUUUUUUFFFF morro abaixo. Voltei pra casa chorando, porque eu caí em cima do cotovelo e achei que tava quebrado. Minha mãe abriu a porta e viu o marrom predominando na minha blusa branca e me levou pra lavanderia, me mandou tirar a blusa, colocar no tanque e só sair de lá quando estivesse branca de novo.
- mas e se meu braço quebrou?
- lava com o outro.
O braço não tava quebrado e a blusa foi recuperada depois de muita esfregação. Quando a roupa ficou limpa de novo, eu recebi instruções sobre como usar a máquina de lavar roupa, ganhei meu próprio cesto de roupa suja e, dali em diante, essa tarefa era de minha responsabilidade. Pra aprender que não é mágica a roupa limpa dentro da gaveta.
Além disso, ninguém na minha casa é adepto do ferro de passar, de modos que tinha que aprender a pendurar, dobrar e guardar, que era pra não sair com cara de desleixo na rua (até o presente dia, se há um ferro de passar na minha casa, não fomos apresentados. E as pessoas só descobrem que eu não passo roupa quando aviso, porque eu nunca tô amassada, BGO, SOCIEDADE).
Essa história aí aconteceu quando eu não tinha mais que 10 anos.
Nessa época eu era responsável pelo meu próprio uniforme da escola, por ficar pronta na hora certa, essas coisas. Lembro que um dia eu estava uniformizada, penteada, lancheira pronta, mochila pronta, sentada na frente do sofá esperando o almoço e... minha mãe se atrasou pra chegar em casa. Acabei fazendo um sanduíche pra garantir e tudo mais, de modos que minha mãe chegou à seguinte conclusão: você precisa aprender a cozinhar.
Primeiro foi arroz, que um dia ficava duro, outro dia ficava salgado, outro dia ficava aguado. Depois macarrão. Quando eu fiz 12 anos, passei de fase e ganhei o direito de usar a panela de pressão. Na mesma época, minha mãe voltou a fazer faculdade, meu pai deixou de morar na mesma casa que a gente, eu virei a cozinheira oficial dos dias de semana.
Claro que teve momentos de pura delícia, como aquele em que eu abri a geladeira e tinha nada além de um pote de molho de tomate. Reflitam que em 1993 não tinha google e eu tinha arroz e molho, concluí "risoto" e fui lá tentar fazer acontecer. Cozinhei o arroz, coloquei o molho, refoguei mais um pouquinho e... MEO DEOS QUE COISA HORRÍVEL.
Nesse dia eu estava sozinha em casa, porque meus irmãos tinham aula em período integral em alguns dias da semana. E não tinha mais nada o que cozinhar e eu fui comendo com muito desespero, até lembrar que tinha um dinheirinho em algum lugar e decidir ir na padaria comprar pão e queijo pra acabar com aquele sofrimento. Pois nesse momento tocou o telefone de casa e era meu pai, preocupado com o almoço, lembrando que ninguém tinha conseguido abastecer a despensa no fim de semana.
- ai, pai, eu fui fazer risoto com aquele molho da geladeira, mas não deu certo.
- que molho?
- o do pote marrom na geladeira.
- VANESSA DO CÉU AQUILO É GOIABADA!111!!!!11
Eu tava comendo arroz com goiabada, gente. Nunca façam isso. Desde esse dia, eu nunca.mais.comi.goiabada.
Eventualmente eu fui aprendendo receitas e técnicas culinárias, consegui me livrar da desgraça da carne de vaca, a vida ficou linda e hoje em dia eu cozinho deliciosas delícias na hora que me der na telha. Sou a rainha da panela de pressão, cozinhando almoços completos com 4 ou 5 delas de cada vez. Comida simprona, até porque eu não gosto de comida com firula. Mas eu acredito que saber cozinhar é um dos maiores geradores de liberdade do cerumano. A capacidade de fazer acontecer o que você quer e não depender de ninguém nem de restaurantes. Brigada, mãe, por ter me tacado na cozinha.
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Ainda ali com 12, quando eu me vi sozinha em casa, eu me dei conta que alguém tinha que limpar. E num mundo com lições de casa que sempre ficariam por fazer (eu era contra, me deixa), com opções limitadas de tv, sem internet e sem poder sair de casa por motivos de babá de irmãos, uma hora o tédio se abatia sobre a pessoa e ela - no caso, eu - ia descobrir como funcionava o aspirador de pó, ia lavar louça, limpar banheiro, tirar pó, organizar armários da cozinha, cadeiras da sala de jantar, produtos de limpeza, etc etc etc.
Depois de um tempo, aprendi a organizar a lista de compras, desde a comida até o veja limpeza pesada. Sabia quando precisava pedir gás pra cozinha. Sabia desligar o disjuntor e armar a escada pra trocar a lâmpada do quarto. Tinha uma rotina pra regar plantas. Corria pra pegar a roupa do varal - de quem quer que fosse - em caso de chuva. Sabia até expulsar os sapos que invadiam a casa, matar barata, usar veneno de formiga. Tudo isso antes de completar 15 anos.
Eu sabia andar de bicicleta pelos lugares, sabia ir à pé. Ia sozinha pra escola, pro clube, pra casa dos amigos, pro grupo de jovens, pra balada. Meus pais raramente tinham que me carregar pra algum lugar.
Talvez não tenha sido a infância mais feliz do mundo, mas eu sou eternamente grata a habilidade de saber fazer sozinha qualquer coisa que eu precise. E se eu não sei fazer, sei quem pode me ajudar.
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Aos 17 eu fugi de casa (pra estudar, ai que rebelde), acabei tendo que morar de favor por um ano. As habilidades que eu ainda não tinha, tive que aprender. Cozinhar no micro-ondas (meu deus do céu, como eu odeio o micro-ondas, odeio até essa palavra, grazadeus não preciso mais usar esse objeto estúpido PRA NADA além de estourar pipoca da yoki), andar de ônibus em grandes cidades, andar de táxi sozinha, ir em médico sozinha, comprar meus próprios remédios e produtos pessoais no supermercado, com o meu dinheiro. Administrar meu tempo, minhas horas de sono, minha rotina, como um todo.
Quando minha mãe veio morar comigo de novo (plot twist: eu SAÍ de casa, mas minha mãe foi atrás), eu tava a louca da organização. Acordava antes das 6h, ia pra faculdade de ônibus. Voltava andando, pra fazer exercício. Chegava em casa e começava o almoço antes de ~as crianças~ (meus irmãos) chegarem da escola. Servia o almoço, lavava louça, passava aspirador, lavava roupa, limpava quintal, trocava ração de gato e cachorro, fazia lista de supermercado, estudava, fazia trabalhos da faculdade, assistia tv, botava ordem na zona das crianças, da mãe, dos bichos, ia dormir pontualmente 22h, repetia.
Os anos foram passando, cada um foi cuidando um pouco mais da própria zona, CRIANDO um pouco mais de zona, a casa foi ficando apertada, eu comecei a trabalhar, depois trabalhar mais, depois estudar mais, a vida virou um caos, mas nunca, NUNCA, ninguém arrumou minha cama por mim. E eu nunca deixo minha cama por arrumar. Nem domingo.
Em algum momento, me obrigaram a aprender a dirigir, coisa que eu não queria de jeito nenhum, porque sabia que significaria apenas uma coisa: mais trabalho. IR ao mercado. Sozinha. Levar pessoas. Buscar pessoas. Sair do trabalho pra levar gente pro hospital. Buscar no aeroporto. Essas coisas super adultas, credo.
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Meus pais sempre viajaram muito e eu sempre detestei viajar (essas viagens tipo ir pra casa da tia), especialmente de carro. Então eu sempre fiquei muito sozinha em casa. Sem nenhum problema, muito pelo contrário. Sábados de solidão são aqueles em que eu abro as janelas todas da casa sem ninguém pra encher o saco que tá ventando, tá sol, tá chuva, blábláblá. Coloco a música que eu quiser, na altura que eu quiser e ninguém reclama que o aspirador tá atrapalhando a tv. O varal é todo meu pra lavar cobertor, toalha, botar o travesseiro no sol. Eu posso almoçar purê de batata e nuggets de vegetais às quatro da tarde, tomar banho, deitar na cama e ver 38 filmes em sequência, mesmo que o último acabe 4:38 da madrugada, na altura que meu ouvido precisar.
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Cê vê, hoje mesmo, tava eu chegando em casa e o portão eletrônico não abriu. Como eu tenho a sorte de morar na região dos super postes (don't get me started) e de desligamentos programados de energia to.da.se.ma.na., pensei "era só o que faltava, esqueci samerda de dia sem energia", larguei o carro pra fora e entrei pra fazer meu almocinho. Cheguei na cozinha e a tv tava ligada, como eu esqueci de manhã, de modos que eu pensei UÉÉÉÉÉÉÉ??////
Fiz uma linda tapioca, misturei com uns arroz que eu deixei pronto onti, catei uns nhoque recheado do domingo, taquei cebola em cima e comi essa refeição balanceadíssima, fiz uma inalação com berotec e saí sambando involuntariamente, dei rações, troquei águas, me dirigi pra saída da minha própria casa e tentei abrir o portão de novo e... NADA. Comecei a fazer a agenda mental de quando poderia receber o técnico, tentei lembrar onde estaria a chave pra abrir manualmente, cadeado pra botar lá enquanto isso, essas coisas que gente que mora com a mãe não é obrigado. Fui pra minha linda aula e deixei pra pensar mais tarde. Quando eu voltei pra casa, um dilúvio se aproximando e eu pensando nos próximos a chegar morrendo encharcados até descobrirem que o portão morreu e acharem suas respectivas chaves e etc e lembrei de uma manobra radical de dar uma porradinha no portão enquanto aciona o controle que ele volta. Tentei, né? POIS NÃO É QUE FUNCIONOU? Quase perdi a mão no tranco, mas o portão abriu suavemente pra mim e pros 3 que chegaram depois.
E é por causa disso que eu não compreendo gente com mais de 20 anos que não tomou o rumo da própria vida na mão.
Veja bem: eu não acho que sou melhor que ninguém por causa disso. Mas não consigo admitir uma pessoa adulta que não consegue escolher o que comer no café da manhã
Vejo gente falando que tem que pedir pra mãe comprar remédio, pasta de dente, escolher médico, fazer almoço. Vejo gente falando que ai meu deus, a comida não brota na mesa, a roupa não brota no armário, tem que limpar o banheiro, tem que gastar dinheiro no mercado, o chuveiro queima, aparece barata, você é responsável por si mesmo.
CÊ.JURA.
Eu tenho trinta e três anos, onze meses, 16 dias, moro com meus pais, às vezes acho que cuido mais deles que eles de mim e já sei essas coisas faz tempo.
Hoje em dia, morando numa casa grande, dessas que dá até alegria passar aquele ♥rodo mágico♥ pelo chão, cada um vivendo praticamente no seu quarto, uma pia maravilhosa pra organizar e lavar a louça, um fogão gigante pra cozinhar deliciosas delícias, carro próprio pra trazer milhões de sacolas do supermercado, da compra paga com ~recursos próprios~, milhões de dinheiros gastos em lojas como leroy merlin pra deixar tudo bonitinho, mesmo as partes da casa que TEORICAMENTE não estão sob meu domínio, eu tenho mais problema ainda em entender gente que não captou como uma casa funciona depois de passar a vida vivendo em uma.
No dia em que eu sair de casa de novo, não tenho a menor dúvida de que serei feliz para sempre comigo mesma. Vou poder me alimentar, manter a higiene, decorar, ouvir música sem fone, fazer pequenos serviços de reparo e ainda me servir de companhia. É capaz até de nunca mais botar o pé pra fora e fazer tudo pela internet, até a compra do mês.
Se bem que deve dar até uma alegria sair de casa sabendo que o pote de nutella que você comprou com tanto amor e esqueceu em cima da mesa da cozinha estará lá, contendo a mesma quantidade de recheio que continha na hora em que você saiu.
NUM.VEJO.A.HORA.