terça-feira, 25 de março de 2014

facebook tales


De vez em quando eu posto algumas coisas no facebook que eu gostaria de desenvolver (um eufemismo pra "usar mais um milhão de caracteres"? Jamais saberemos.), mas sei que ninguém leria ou que acabaria matando o blog. E eu penso "mas todo mundo que lê aqui também lê lá e talecoisa", mas a verdade é que eu acho que as duas rede social não chegam a ter exatamente os mesmos leitores. 

Se tiver, reclamem com jeitinho, porque de vez em quando eu vou expandir as bobagens que eu escrevo no feissy por aqui.

Por exemplo, a história do Bozo.

OU

A incrível história de como meu rim subiu no telhado

(O que uma coisa terá a ver com a outra, ó, Senhor?)

Se você ainda não sabe até este presente momento que eu vivo minha vida com apenas um rim, você provavelmente é o único. Desde quando ele se fué, meu médico me ensinou que eu tenho que avisar isso (e minhas alergias) pra todo mundo, no caso de eu passar por uma catástrofe. Ficaria mais fácil me salvar etc.

Bom, o causo é que eu nasci aparentemente normal. Mas já nos primeiros meses de vida, minha babãe - então com 18 anos (o passado era estranho, não?) - percebeu que tinha alguma coisa errada com a criança mais chorona da face da terra. Aliás, desde o útero. Eu não como feijão e minha mãe não pode comer durante toda a gravidez, porque passava mal. Fora da barriga eu também causava um climão maneiro quando mamava depois do feijãozinho de babãe. Mas eu chorava o tempo todo, vinte horas por dia. Passei de vó em vó (eu tinha várias, se contar as bisavós), de tia em tia, de benzedeira em benzedeira. Ninguém descobria qual era o encosto que fazia a criança gastar o pulmão.

Lá pelo meio do meu primeiro ano de idade, minha mãe me levou a 394857 médicos e ninguém achou nada. Vamo aqui lembrar que se tratava do longínquo ano do Senhor de 1981 e ultrassom era uma coisa moderníssima demais pra alguém pensar em usar. De modos que chegaram à única conclusão possível: esquizofrenia.

TACA GARDENAL NA CRIANÇA.

(Se você acha que isso explica muita coisa, saiba que não há confirmação médica ¬¬)

Nem todo o gardenal do mundo me fazia parar de chorar. Os anos foram passando, eu fui crescendo e aos 4 minha mãe engravidou novamente. Segundo ela, porque eu sempre pedia por um irmãozinho. OUSSEJE, eu não estava recalcada por ganhar um bebê novo na família. Até ali, eu era a única neta, bisneta, sobrinha e tudo de um lado da família. MESMO ASSIM eu posso confirmar que não estava enciumada.

Pois bem. Eu era raquítica, nível criança desprovida de nutrientes. Pequena, pançuda e chorona. Se as pessoas me encostassem, em qualquer lugar, eu sentia dor.  E choraaaava. Chorava o tempo todo. Botaram a culpa disso na ~perda do trono~. Minha mãe fez questão de dizer que o bebê seria como uma boneca que eu ajudaria a cuidar e eu tava muito diboa com isso, mas se eu chorasse, se doesse, se eu quisesse morrer só um pouquinho, aí a culpa era de ter que dividir a mãe.

Mais um tempo passou e eu estava com 8 anos. Eu sentia dores terríveis nas costas. Mesmo assim, era uma criança ativa: fazia parte do time de ginástica olímpica da escola, fazia todos os esportes do universo, nadava, corria, andava de bicicleta. Mas no fim do dia minhas costas doíam e eu chorava. Chorava miseravelmente. Que saco essa Vanessa. Tem uma vida ótima e só chora, tudo dói. Quem aguenta essa Vanessa?

UMA PAUSA

Ali pelos 7/8 anos, eu acordei um dia com o pé tão inchado, mas TÃO inchado, que não dava pra pisar no chão, colocar sapato, viver. Mostrei pra minha mãe e ela entrou em pânico, saiu correndo e me levou no hospital. Meu pé foi ficando roxo e cada vez parecia pior. No hospital, me levaram pra emergência, tiraram raio-x até da minha alma e não acharam nada. NADA. O médico ficou perplecto (hahaha idiotice nova pro vocabulário), não sabia o que fazer. Concluiu que era uma fissura tão pequena que não dava pra ver direito (1988, gente.). Não quis engessar pra não colar tudo errado, deu mil pomadas e imobilizou com faixa e tala só pra não piorar a situação. Esperamos a semana toda aquele pé voltar a um tamanho humano e, quando isso aconteceu, voltamos ao médico. Com o pé menos inchado, o médico apertou ele todo e em algum lugar encontrou: uma picada de inseto.

Dessa história ficou: Vanessa é tão dramática que até o corpo dela reage exageradamente às coisas simples.

FIM DA PAUSA

Então se eu brincava o dia inteiro, era porque a dor nas costas não era assiiiiiiim tão dolorida. Se eu não brincava o dia inteiro, era porque eu era chorona e pelamordedels, minha filha, para de reclamar. 

Aos 9 anos, eu estava na merda. Eu vivia com dor nas costas e não reclamava mais, porque era melhor sentir só a dor nas costas sem ouvir que eu tinha que parar de reclamar e chorar. Mas como toda criança de 9 anos, eu ia brincar loucamente sem medo de ser feliz, até porque eu não relacionava uma coisa com a outra. 

Nessa época, eu estudava numa escola de crianças ricas, que tinham tudo o que queriam. E tava na moda um carrinho de carregar a mochila. Eu queria muito um carrinho desses, mas nada que fosse causar um chilique na criancinha. Mas minhas costas doíam DEMAIS e eu não conseguia mais viver, muito menos carregar uma mochila com duzentos mil livros. E o psicólogo ou sei lá quem foi dizer pra minha babãe que era chantagem emocional pra ganhar o bendito carrinho.

PESSOA QUERIDA, VAI CAGAR?

Então eu fiz 10 anos, o ano escolar acabou e eu fui deportada pra casa da minha vó, como sempre era. Minha vó morava numa chácara imensa, com árvores pra subir, rampas pra descer de bicicleta, pomar, rio, cavalo, cachorro, gato, piscina, etc etc etc. Reflita a situação de uma criatura nessa idade nesse lugar. E, sendo eu pequena e magra, lá era o lugar onde sempre podia comer até explodir. Oito pães e duas xícaras de leite com Toddy numa única refeição. Sete pastéis de queijo. Cinco sorvetes de palito. Manga, carambola, maçã, uva, jabuticaba, qualquer fruta que caísse no chão ou que desse pra pegar na árvore. Eu vivia comendo e comendo, como se Magali meu nome fosse. 

Mas teve um dia em que eu não quis tomar café da manhã. Então o castigo era não poder ir pra piscina até de tarde. Aceitei. Não quis almoçar. Tentaram forçar e eu vomitei tudo. Disseram que era frescura e fiquei com castigo estendido: sem piscina de tarde também. Aceitei. Deitei na frente da televisão e me disseram que não podia ver tv também. Ok. Fui deitar no quarto, só pra ter sossego e isso provavelmente preocupou alguém, porque eu um dia inteiro sem comer pão ou sorvete e sem infernizar pra andar de bicicleta, subir em árvore, jogar pebolim, ir pra piscina, não fazia sentido pra ninguém. 

Foram lá me catar no quarto pra mandar pra piscina e eu fui. Não fiquei nem meia hora lá dentro e pensei que fosse morrer. Sentindo um enjoo horrível e muita dor, eu simplesmente comecei a chorar. Mas não um chorinho suave, eu chorava gritando. Parecia que eu estava pegando fogo, mesmo dentro da água. Parecia que eu estava sendo esmagada por todos os lados. Não sei se minha memória está certa, mas eu lembro do meu pai na varanda, saindo correndo e me catando de dentro da piscina de qualquer jeito, me secando, botando uma roupa e ido com minha mãe me levar no hospital.

No hospital, eu estava fazendo a menina do exorcista. Vomitando pra tudo quanto era lado, sem critério. Quando o médico apalpou a lateral do meu abdome, eu terminei de vomitar o conteúdo do meu eu interior. Minha mãe diz que eu passei a noite no hospital e eu vos digo: depois do apertão no rim, não tenho memória de MAIS NADA até uma semana depois, quando a gente já estava de volta em São Paulo, na sala de uma médica, que dizia delicadamente que aquilo era além da especialidade dela e a gente deveria procurar o médico X, porque ele era o melhor da área.

No tal médico X, uma criatura de extremo tato, meus pais perguntaram "é pedra, doutor?" e ele disse, na minha frente, sem medo de ser feliz "se fosse, seria bom.". NUM É RECONFORTANTE? Vi o desespero no olho dos meus pais e foi a única vez na minha vida que eu não chorei HAHAHAHAHAHAHHAHAHA. E ó que incrível, o negócio era tão complexo que aquele médico também não tava apto pra resolver e lá fui eu pro maior especialista em sistema urinário abaixo da linha do Equador.

Vou pouparlhos dos detalhes, mas meu rim, no fim das contas, estava enrolado nas próprias veias, estrangulado, sem conseguir escoar toda sua ~produção~ por toda minha vida. Estava quadruplicado e a ponto de estourar (viva!), e o procedimento envolveria desenrolar as veias todas e fazer uma plástica no que sobrasse, pra manter as funções.

Entre a descoberta e a cirurgia foram três meses. De exames quase diários, internações infinitas pra resistir à dor (de acordo com meus médicos todos, a pior que um ser humano pode sentir e sobreviver), de intermináveis horas na escola em que eu era autorizada a assistir à aula em qualquer posição que quisesse, porque nem sempre era possível ficar sentada e manter a sanidade mental, de um atropelamento intencional de bicicleta (tenho impressão que de já contei isso por aí), de pânico e desespero, porque eu era uma bomba relógio.

Finalmente o dia da cirurgia chegou (cabou de completar 23 anos, 21 de março) e lá fui eu pro hospital de noite, pra ser operada na manhã seguinte. Um anestesista sem tato adicionado à equipe no.meio.da.madrugada., um comprimidinho pra me deixar vendo gnomos, eu tendo mais uma crise de choro, o anestesista do amor me mandando contar até três, eu chegando em sessenta e chorando porque contar era chato e eles provavelmente considerando me matar ali mesmo, eu enxergando todo mundo ruivo e ouvindo sotaque de Portugal, eu apagando e acordando 8 horas depois, enfaixada do tornozelo até o pescoço, com vontade de ir ao banheiro e com sede, como sempre. Sem poder resolver nenhuma dessas duas coisas e chorando tudo de novo. E uma senhora cicatriz que me atravessa os flanco. E eu acho linda, viveria de cropped top se a barriguinha permitisse.

Dormi e acordei duzentas vezes até o dia seguinte, quando eu descobri que não tinha sido possível reconstruir o rim e dali pra frente, eu viveria com um só. Minha família só descobriu recentemente que o tecido do rim não foi totalmente retirado, mas feito um tipo de saquinho com uma parte da pele, pra conectar as veias todas, pra que o sistema urinário não sentisse o trauma com tanta força. Isso que sobrou não tem nenhuma função a não ser enganar o organismo. Pois se você perguntar pra algum deles se é verdade que eu tenho só um rim, eles vão dizer que não HAHAHAHAHA. Ô gente insuportável, não para de perturbar nem a pessoa deficiente física, porque aquilo NÃO.É.UM.RIM, é uma conexão feita de pedaços de rim e tal, mas não serve pra nada.

Eu adoraria que servisse.

Bom, agora vamos ao ponto desse dramalhão.

Estava eu lá pelo quinto dia no hospital, bem suave na nave, lendo meus gibis (ganhei uns 50 gibis de todo mundo que foi me visitar), sozinha. HÁ CONTROVÉRSIAS sobre a razão pela qual eu estava sozinha. Minha memória diz que meus pais estavam em outra cidade, porque meu pobre pai deu o azar de perder seu próprio pai enquanto a filha estava no hospital, pensa num karma errado. Minha mãe diz que eles já estavam de volta em casa, mas minha avó disse que era melhor ela ficar com meus irmãos pequenos que comigo no hospital. Eu acho que a minha versão é a certa, porque naquela tarde eu estava sozinha, sem mãe, sem vó, sem visitas. 

De repentemente, vem a enfermeira saltitante verificar soros e canos e sondas e remédios e o conforto da minha vida em geral, já começa trabalhando na fofoca:

- adivinha de onde eu tô vindo???? Do quarto do Bozo!!1111

E eu me animei instantaneamente, achando que era aquele programa que leva alegria, palhaços ou famosos pra visitar crianças estropiadas e o Bozo e sua turma estariam indo de quarto em quarto animando os pobres remendadinhos. Cabô minha empolgação quando ela continuou a história:

- o bozo usa droga, cheira tudo, tá acabado, nunca faça isso com a sua vida ou você volta pra cá.

Q

Alguém aí sabia o que significava "cheira tudo" aos 10 anos? Porque eu não sabia. E, sendo a criança mais estúpida que já viveu, achei que tinha que contar a história de que o Bozo estava cheirado no mesmo hospital que eu pra absolutamente todas as pessoas do mundo.

- ô, mãe. Manhê. Cê sabia que o Bozo tava no meu hospital?
- é memo, é?
- aham, tava cheirado.
AI MEU DEUS, VANESSA, TAVA FORTE A ANESTESIA, HEIN?

Se eu tentava de novo, só ouvia o variante "CALA A BOCA E PARA DE FALAR BOBAGEM".

Na escola, eu achava conveniente contar essa história pras crianças. Cuja reação era sempre DUVIIIIIIIIIIDO QUE CÊ TAVA NO HOSPITAL CO BOZO.

E quando essa ibagem apareceu na minha timeline na semana passada, eu só queria poder voltar no tempo e pregar na cara de todo mundo esse credibilíssimo jornal: O BOZO CHEIRAVA TUDO SIIIIIM!!111!1

Alguém aí podendo confirmar a internação no 9 de julho em março de 1991 ajuda muito and I can rest my case.

E era só isso mesmo, desculpa, fim.



 PS: Um bebê com o mesmo problema que o meu hoje em dia, pode ter isso reparado NO ÚTERO, antes de nascer. Já aconteceu, meu médico já fez. Ó que maravilha a modernidade do mundo.

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terça-feira, 18 de março de 2014

onirodinia




Aí eu fui dormir depois de um dia sem grandes acontecimentos, de modos que eu não tinha grandes expectativas para atividades soníferas. Tenho um problema bem sério de sonhos birutas, obcecados, repetidos, pesadelos, etc, toda noite é uma aventura.

Mas eu dormi e devo ter passado a noite sem grandes emoções, até a hora em que comecei a sonhar com a minha casa. Só que minha casa não era exatamente a minha casa real (alguém sonha com a própria casa geograficamente correta?) e eu estava numa sala que nem existe na minha casa acordada, com móveis que são da minha vó. Tava lá diboa aceitando aquele ambiente, numa poltroninha lendo um livro, bem parecido com a vida.

De repente toca a campainha é um grupo pequeno, 3 ou 4 pessoas, amigos de trabalho da minha mãe. Até aí, nada fora da realidade. Eles entram e vão pra mesma sala onde eu estou, o que me incomoda um pouco, porque era uma sala ~íntima~, sabe? Não a sala onde a gente recebe visitas, a sala onde a gente lê de pijama na poltrona. 

Finjo que não é comigo a socialização, continuo na poltroninha com o meu livrinho, até que chega mais alguém. "É o fulano", todos dizem. Mas fulano trouxe CINCO pessoas junto com ele, porque é normal cê levar cinco desconhecidos na casa de alguém pra jantar num dia de semana. As pessoas se espalham pela sala e alguém senta na minha poltrona quando eu levanto pra pegar um copo de água. O que essa pessoa não sabe, é que MINHA poltrona é literalmente minha, comprada com o meu dinheiro e só minha bunda encosta lá. 

Chamo minha mãe e pergunto com amor (não) se não seria mais conveniente levar esse povo todo pra sala de estar, onde tem mais lugares pra sentar e espaço e coisa e tal, e ela diz que não, que quer ficar perto das panelas (?). Nesse momento, se materializa uma cozinha de casa de fazenda naquela sala e nem assim meu cérebro entende que eu tô sonhando.

Resolvo socializar com um sujeito em particular, que na vida real está sempre sorridente e piadista, chega a encher o saco a felicidade da pessoa, mas no sonho tá deprimido e baixo astral. Vou perguntar sobre um mestrado que eu quero fazer (na vida real) e ele começa a falar de termos acadêmicos inexistentes pra me desencorajar, me pergunto o que foi que eu fiz pra merecer esse dia e volto pro meu livro.

As pessoas não param de chegar, eu não paro de me irritar, tudo igual à vida real. Me pergunto o que minha mãe tem na cabeça pra enfiar esse povo todo em casa em plena quarta-feira (que tipo de gente sonha com quartas-feiras?), resolvo que vou sair da sala. Meia hora depois eu volto e já tem mais de 30 pessoas lá dentro, até alunos dela acabam aparecendo (exatamente como na realidade) e eu só quero que a energia elétrica acabe e vão todos pras suas casas, de onde nunca deveriam sair numa quarta à noite.

Então eu fico com sono - sono no sonho, quem nunca - e resolvo pegar meu cachorro e ir dormir. No meio do caminho pro quarto eu percebo que estou com sono demais (igual à realidade, de novo) e resolvo dormir no meio do corredor mesmo, abraçada no cachorro, com a cabeça apoiada na beirada fofinha da cama dele.

Acordo com ele me empurrando (sim, como todo os dias no mundo real), dizendo, isso mesmo, di-zen-do, que eu sou muito espaçosa e que meu despertador já está tocando pra ir trabalhar (a pessoa não apenas não sonha com fim de semana, mas sonha que acorda cedo e vai trabalhar). Mesmo assim, não percebo que estou sonhando (acontecimento muito raro). Vejo que o sol já está entrando pelas janelas da casa, mas olho pro meu quarto e ele está todo escuro.

Uma pausa pra dizer que lembrar dessa parte me dá 57 tipos de nervoso e eu já quero sair martelando o universo tudo de novo. Ok. Volta.

Na vida, eu só fecho a janela do meu quarto se estiver nevando e só fecho as cortinas quando vou dormir. Se eu não fui dormir no quarto, quem teria fechado a janela e a cortina? Vou andando devagar, tipo filme de terror e quase desmaio quando passo porta adentro: quatro desconhecidos dormindo lá, duas meninas na minha cama, uma de cabelo imundo com os meus travesseiros e outra com os pés pretos no meu cobertor. Todo mundo sujo de fim de festa, sabe? Um idiota num colchão na frente do meu armário e mais um atrapalhando onde ficam meus tênis. 

Tive um mini ataque cardíaco, entrei no quarto arremessando coisas e pisando em todo mundo, abri a janela, a cortina, acendi a luz, pra ver se alguém pegava a dica que NÃO SE DORME NA CASA ALHEIA no meio da semana, que eu tinha que me arrumar pra trabalhar, que eu ia interditar minha mãe por permitir que pessoas  não só ultrapassassem a linha do meu quarto sem banho, mas encostassem nas minhas coisas.

Fui até o banheiro ligar a chapinha (cabelo ruim até no sonho) e mentalizar que, quando eu voltasse ao meu quarto, não teria mais ninguém lá. 

Volto ao meu quarto, e o que eu encontro? Alguém fechou DE NOVO a janela e TRANCOU. Fechou as cortinas e ainda estava reclamando com os outros "gente, sacanagem isso de abrirem a luz na cara de quem tá dormindo, hein?".

Perco completamente o controle e começo a puxar cobertores - pra fazer uma pilha e botar fogo - gritando com toda a força do meu pulmão praquelas pessoas saírem da minha frente IMEDIATAMENTEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEE, senão eu vou matar todo mundo com esse martelo que tá aqui na minha mão (eu realmente tenho um martelo no quarto, porque eu prego mais quadros na parede do que minha mãe gostaria), SAI DAQUIIIIIIII!!!!1111

Nesse momento, minha mãe vem calmamente (apenas em sonho), me perguntando por que eu estou tão alterada, sendo que na vida real ela saberia que era caso pra quebrar a casa inteira na martelada se deixasse alguém OLHAR pro meu quarto, imagina encostar nele. E eu apontando pras porquinhas "OLHA ESSE CABELO NO MEU TRAVESSEIRO!!!! VOU TER QUE JOGAR NO LIXO!!!! OLHA AQUELE PÉ PRETO NO MEU COBERTOR E NA MINHA CAMA!!! OLHA ESSE IDIOTA DEITADO NO MEIO DO CAMINHO IMPEDINDO ACESSO AO MEU GUARDA ROUPA!!! OLHA QUELE OUTRO QUE.FECHOU.MINHA.JANELAAAAAA!!!"

Sério, cara. se tem um conselho que eu vos dou: nunca.feche.minha.janela.

Vou dar mais um: não encoste na minha cama, nunca. Mas se for inevitável, tome 24 banhos antes de fazer isso, nade no álcool e etc. 

Nunca obstrua o caminho entre mim e minhas roupas, coisas, poltrona e NUNCA.SENTE.NA.MINHA.POLTRONA.

Enquanto eu gritava com a minha mãe, martelava a casa inteira e carregava as pilhas de objetos do meu quarto pra varanda, pra jogar tudo fora, meu despertador real tocou. Eu estava bem linda no meu quartinho vazio, na minha caminha, com a minha janela aberta e meu cão dormindo tranquilamente na minha poltrona (heh). 

Não pude deixar de pensar que meu cérebro faz essas coisas próximo da hora de eu acordar pra ver se transforma em felicidade a tragédia de acordar antes das oito da manhã, nesse clima cocô de verão, pra ir pro trabalho mais chato do mundo.

Hoje funcionou.

segunda-feira, 10 de março de 2014

this too shall pass

Não lembro onde eu li uma vez que pessoas com depressão, depressão de verdade, essa diagnosticada pelo médico - não aquela que as pessoas postam no facebook -, não lavam os cabelos.

(É todo um problema de higiene pessoal e tal, mas eu me prendi à coisa que mais me chocou.)

Eu acho absurdo quando as pessoas saudáveis não lavam os cabelos, não entendo gente que diz que dá trabalho ou que chega a entupir a cara de roacutan sem necessidade, só por preguiça.

Aí às vezes eu estou triste, muito triste. Depois eu sinto nada, muito nada. E aí eu me preocupo se de repente essa tristeza e falta de ânimo que não passam não são um sinal de que eu preciso de um médico pras inquietações da mente.

Então eu lembro que não passaria nem 24 horas sem lavar o cabelo, se pudesse. Nem num dia horrível como hoje.

Concluo, então, que é só tristeza. 

E eventualmente deve passar.

quinta-feira, 6 de março de 2014

internacionalessa



Tem uma coisa que não faz parte das minhas atribuições no trabalho, mas eu vivo tendo que fazer, apenas por motivos de: eu faço melhor que todo mundo. Tem toda uma unidade exclusivamente dedicada a essa tarefa, mas na hora do vamo vê, some todo mundo, meu telefone toca e eu não consigo dizer não. Porque, sejemo franco, é a única coisa realmente divertida que tem pra se fazer.

Eu estou falando obviamente de ciceronear estrangeiros.

Logo que eu comecei a trabalhar aqui, vários alunos de intercâmbio tinham ~assuntos~ pra resolver na minha sala, com meus ~superiores~. Eu, que não falo inglês de graça, a não ser que seja pra salvar a vida de alguém, ficava bem quietinha no meu canto, até o estrangeiro ter dificuldade em se fazer entender e eu, relutante, traduzir o que ele dizia... Então eu tinha que traduzir de volta pro estrangeiro e assim começou uma longa aventura de "chama a vanessa", cada vez que precisavam de um intérprete. Quando a pessoa importada fala inglês, tá ótimo. Quando é da Rússia e fala um inglês capenga com sotaque... Aí, meu bem, aí que fica gostoso.

Primeiro foi um alemão. O menino ficava lá sentadinho com cara de strudel até a pessoa com quem ele tinha que falar ficar disponível. Eu ficava olhando o teto. Até o dia em que alguém resolveu fazer arroz doce. Aí começou aquela maravilhosa distribuição de arroz doce - uma coisa que eu odeio - e todo mundo feliz, pegando potinhos, comendo loucamente e o alemão olhando com a maior cara de interrogação. 

- It's... sweet rice.

Eu falei isso com a maior cara de "eu sei que não faz o menor sentido, mas é isso que você tá vendo mesmo". Ele ouviu da mesma forma que eu ouvi que britânicos comem feijão doce com torrada no café da manhã. Perguntei se ele queria experimentar e ele disse que não. Eu fiz uma coisa que odeio: chamei de covarde. Em minha defesa, eu tinha vinte e poucos anos e era ainda mais idiota. De qualquer forma, ele se sentiu desafiado, encheu um pote e enfiou a cara no arroz doce, pelo qual se apaixonou e não me responsabilizo por isso.

Esse alemão acabou ficando um tempão por aqui. Emendou mestrado na graduação e nunca mais queria ir embora. Aprendeu a falar um mínimo necessário de português pra sobrevivência em regiões inóspitas, voltou pra Alemanha, casou e continuou vindo pro Brasil de tempos em tempo, sem a mulher, porque ninguém leva mulher pra florrrrrripa, né?

SAFADO.

Massss, muito antes de o alemão se formar ou se casar, meu chefe, que sabia que meu amor verdadeiro e eterno sempre será de um passaporte vermelho, tentou de toda forma me juntar com esse safado infeliz, mas esse eu não queria não. O último episódio que constrangeu duas nações aconteceu no dia em que o alemão disse que não sabia o que fazer no fim de semana e meu chefe escreveu o telefone dele no meu braço, mas ocupando do ombro até o pulso. Cê ligou? Eu também não. Ele ficou um pouco #chatiado, mas eventualmente acabou deixando pra lá, vindo incrusível se despedir de mim quando foi embora de vez. Uma graça.

*****

Aí teve o menino francês, que atendia por um nome normalmente atribuído a meninas neste nosso belíssimo país. Ele não fala inglês, eu não falo francês, mas ele falava um português sem vergonha proveniente de primos brasileiros e a gente se comunicava. O único problema foi que a primeira coisa que eu disse pra ele foi "seu nome é de menina" e aí pronto, nosso relacionamento começou mal e só foi rolando ladeira abaixo. Era um falando mal da comida do outro, eu mandando ele falar croissant quatrocentas mil vezes*, ele me dizendo que eu falava no diminutivo demais, uma maravilha de conversa agressiva que me deixava exausta toda vez que acontecia.

*eu tenho um problema SÉRIO com franceses. Na minha vida ~pessoal~ eu tenho um amigo francês, cujo nome não parece francês, parece americano. E, OBVIAMENTE, foi a primeira coisa que eu disse pra ele "que nome sem graça, nem parece francês", isso porque o resto dos nomes dele (ele tem uns 20) é bem com cara de francês. Eu disse que ia fingir que ele chamava Olivier e veja só que linda, eu implico com o nome de todo mundo, uma fofa. Felizmente ~Olivier~ não desistiu da minha amizade, ainda que eu tenha enfiado ele dentro de um fusca e sofrido uma batida no trânsito NO.PRIMEIRO.DIA de amizade e tenha dado um croissant salgado pra ele comer - segundo todos os franceses que eu conheço, é igual dar feijão doce pra brasileiro, uma nojeira sem fim - sem avisar o que era. 

Pois o francês de nome de menina um dia acabou com a minha paciência e eu perguntei se era costume lá no país dele ser mal educado com as pessoas e ele ficou constrangidíssimo. Aí ele me disse uma frase que eu tenho certeza de que era mentira, mas resolveu tudo: "na França a gente só implica com as pessoas de quem a gente gosta. Quanto mais implica, mais gosta." Achei que vinha daí meu passaporte vermelho, mas até hoje não sei o que raios deu errado na vida o menino e ele desapareceu da face da terra sem deixar vestígios.

[Lembrei agora que na minha ~vida pessoal~ também teve um polonês com nome de menina. Bom, não era bem de menina, era tipo o papa, Karol e tals, e eu passei a vida chamando o infeliz de carolino, até o dia em que a mãe dele ouviu e falou "a gente escolhe o nome com tanto amor, muda de país e é isso que acontece" e eu não estou nem ligando, minha senhora, a vida escolar foi feita pro bullen mesmo e carolino tava diboa comigo.]

*****

Teve a vez do moço da Tunísia, mas eu tive uma participação pequena no tempo que ele ele passou no Brasil, só lembro de ter pedido pra ele escrever meu nome e de ele ter gritado HARAMMMMM em algum momento, em que eu obviamente não lembro o que estava fazendo. Lembro nem o nome desse aí.

*****

Enquanto universidade federal, meu ambiente de trabalho conta com muitos professores estrangeiros. Tem o causo do espanhol que insistia em me chamar de Banessa. Aí cê me fala "coitado, deixa ele", DEIXA MEU OVO. E acrescento: nego morando há 40 anos no Brasil e não aprendeu o som do V? Fica em casa. Aí ele chamava de Banessa e eu ignorava. Ele insistia. Até que comecei a chamarlho de seu Presunto (isso mesmo) e aí pronto, parou.

Tem o chinês que dá aula de cálculo e minha dificuldade de entender quando ele diz bom dia me faz agradecer não ser aluna dele.

Tem o russo #1, que tinha uma filha que aprendeu português fluente em 6 meses e ensinou a família toda. Pois o véio começou a fazer academia no mesmo lugar que eu e todo dia sentava na bicicretinha do lado da minha. Um dia eu tirei os quatro sisos e não lembro se contei essa história. Resumindo: a anestesia não pegou mesmo eu tendo chegado perto de um choque anafilático e sido reanimada na cadeira do dentista, mas meu dente já estava quebrado e foi tirado do mesmo jeito. REFLITA. Eu tive que tomar morfina quase uma semana pra suportar a dor. De modos que eu não fui na academia por quase um mês, por proibição médica mesmo. Quiqui o véio fez? Isso mesmo, foi até minha sala no trabalho, dizer "se continuar faltando na academia, vai ficar gorda".

Tem o russo #2, que fala um português bem razoável, mas teve um problema com a imigração e esqueceu as palavra tudo. Tadinho. Eu não entendia ques tanto de pavor voltar pra Rússia (me deixa), mas ele passou a semana inteira indo até minha sala pra ajudar com a comunicação com a embaixada e coisa e tal e a gente ficou amigo (o véio tem uns 300 anos, não precisam achar que era amor). Pois um dia estava uns 50 graus na rua e o dobro na minha sala, então eu fui na geladeira e peguei quinhentos copos de água e saí distribuindo, dei um na mão do seu Sirurpoaskov (inventei). Ele recusou. "Mas profê, tá um calor absurdo, é água, aceita". Ni qui ele me responde "não bebo água". 

COMO ASSIM?

Assim que ele teve um treinamento pra guerra, não sei se do exército ou independente, que não permitia que soldados bebessem água por longos períodos de tempo, tipo um ano inteiro. Pode suco? Não. Refri? Não. Não bebe nada. NUNCA. Ele meique ficou com o zoinho cheio de água quando eu perguntei bem suave "E VIVE COMO??//!!11", então eu parei. Mas ele disse que nunca mais queria sofrer aquilo de novo, então nunca mais ia beber água na vida. Reflitam.

Eu acho que teve mais um russo, com quem a discussão foi sobre a aliança de casamento ser na mão direita pra eles. E eu falando que se casou no Brasil, com uma brasileira, bota na mão esquerda e não enche, ué. Quase apanhei.

E teve a pessoa do oriente médio, candidata a prêmio nobel da paz, que me infernizou tanto a vida querendo ler minha mão, minha íris, minha aura e meus ovo que me xingou de macaca em algum momento, de tanto que eu fiz piada das ~habilidades~ dela. LÊ AQUI MINHA CARA DE PREOCUPADA.

*****

Mas o melhor momento diplomático da minha vida, o que tinha feito com que eu me aposentasse nas funções de cicerone de estrangeiro, foi esse que vou contar agora.

Alguém, que até agora não sei quem foi - senão já teria mandando uma linda bomba de cocô para seu lar - resolveu ser pioneiro nesses negózdi acordo entre dois países para fins de estudos e combinou com uma delegação francesa (sempre os franceses acabando com a minha vida) para que viessem dar uma palestra cheia dos frique frique aqui na minha instituição, para a minha unidade. 

Não contente com essa chatice, resolveu convidar pessoas de um outro órgão público, que tem como fim uma atividade parecida (tipo, aqui as pessoas estudam engenharia civil com ênfase em transportes, então eles convidaram o órgão regulador do transporte, só que eu inventei porque foi outra área e outro órgão, mas cêis entenderam). A pessoas desse órgão só seriam liberadas pelos seus chefes mediante certificado de participação, que só poderia ser dado com lista E controle de frequência, que só poderiam ser feitos com ficha de inscrição. Adivinha quem teve que fazer isso tudo? Isso mesmo, DESENHAR a ficha, mandar pros idiotas, receber de volta, mandar comprovante, imprimir certificados, ficar na porta pra ver se eles tavam lá dentro mesmo enquanto a palestra acontecia (sério. SÉRIO.), achar alguém pra fazer café, contratar coffee break, etc etc etc.

Isso, é claro, de uma semana pra outra, que ninguém é capaz de pensar com um mísero mês de antecedência.

Pois eu fiz o milagre acontecer. Só que no meio do caminho, felizes com a possibilidade de matar um dia de trabalho, muitos coleguinhas se inscreveram, o que diminuiu a vaga para alunos (e a gente tá numa universidade, quem se importa com alunos, não é mesmo?) e eu tive que restringir inscrições, NINGUÉM ME DEU UM CRITÉRIO, eu inventei. Aí veio a notícia mais maravilhosa de todas: a delegação era 100% francesa, nenhum infeliz falava português ou inglês, SE VIRA, MINHA FILHA.

Quiqui eu tive que fazer? Isso mesmo, contratar tradução simultânea com quinhentos fones, pra conseguir comportar todo mundo, de.um.dia.pro.outro. Cara, dream job esse meu.

Aí chega a delegação, algum gênio mandou uma van pra buscar os 15 no aeroporto e carregar pra cá. Chegam eles aqui trabalhados no bleubleubleu e eu me pergunto quem é que vai explicar pra eles quem somos, de onde viemos, se eram os deuses astronautas e tal. E essa pessoa seria eu mesma. Aí eu vou fazendo mímica, taco todo mundo no salão onde eles vão ficar e falo SIVIRA, vou pra porta, começo a deixar os pessoal assinar a lista e entrar, acabam os fones da tradução simultânea no meio do negócio, faço meu melhor shrug ¯\_(ツ)_/¯  pra todo mundo e sigo minha vida, deixando as reclamações entrarem por um ouvido e saírem pelo outro. 

Quando tá todo mundo desconfortavelmente sentado, as apresentações começam, bleubleubleubleu, vai um palestrante, vai outro, acaba a manhã, leva o bando de bocó pra almoçar, entende XONGAS do que eles falam, se mata pra explicar que não, não pode fumar onde dá na telha, muito menos no restaurante, volta, palestra, palestra, palestra, já tô aprendendo francês por exposição prolongada (aconteceu com japonês, mas já esqueci tudo) por ter que ficar controlando quem sai de fininho e tal, de repente PÓIN, um som estranho nos meus ouvidinhos. A tia mais pedante e insuportável da comitiva tinha um sotaque super bizarro, que não correspondia ao sotaque de todo mundo até aquele momento. Eu não sabia dizer exatamente o que tava errado ali, mas aquele sotaque não pertencia ao grupo. Achei que era arrogância demais achar que eu estava distinguindo sotaques, mas era óbvio que aquilo tava errado.

Tava eu na porta do salão, morrendo de tédio, tentando decifrar o erro na tia palestrante, quando me vem subindo as escadas um dos tios da comitiva, que eu nem percebi que tinha debandado. Através de mimicas muito satisfatórias, ele me explicou que tinha saído pra fumar. Olhei pra ele com a minha melhor cara de "quem se importa?", até ele levantar a mão direita e mostrar pra mim. A mão do homem tava quatro vezes o tamanho normal e vermelha num tom que não é de terráqueos. Entrei em pânico e perguntei o que raios ele tava fazendo, se tinha conseguido se queimar. E, bom, ele imitou o som de uma abelha. Eu usei o tradutor e abelha é abeille, o que não é tão diferente assim, e ele usou o tradutor pra me dizer a frase que mais me assustou na vida: eu nunca tinha visto esse bicho antes. Alguém aí pode confirmar se não existem gatos na américa não há abelhas na frança?

Pra sorte dele, eu sou especialista em picadas de abelha e suas alergias cavalares - me abraça, Thomas J. Sennet - e tenho uma pomada ninja pra isso sempre ao alcance da mão. Passei a pomadinha no tio e perguntei se ele queria ir a um médico e ele disse "pelamordedels, sim" e eu invadi a palestra bem louca pra pedir pra tradutora inverter a tradução e dizer pra líder da comitiva, a mulher insuportável de sotaque estranho, que eu ia catar o cara e levar num postinho de saúde. Ni qui a mulher responde num fluentíssimo português de Piracicaba: MAS NÃO VAI LEVAR ELE EM POSTO DE SAÚDE NEM MORTAAAAAAAAA.

Siiiiiiiiiim, amados amigos. A mulher era brasileiraaaaaaaa. Filha duma ronquifuça!!!! Um dia inteiro ignorando a falta de tradutor, falando francês, sem avisar que era brasileira morando na França há menos de cinco anos. Como eu quero que aquela mulher exploda, gente. Não consigo colocar em palavras. Nesse momento ela também achou conveniente avisar que nos aeroportos tem um serviço médico pra estrangeiros, pra garantir que alguém vá conseguir entender os infelizes e terminou "a gente termina logo aqui e leva ele direto pro aeroporto e já vamos embora dessa porcaria". Porcaria, no caso, o país que pariu esse erro da natureza. Ainda fez o cara ir ao banheiro e lavar a pomada assassina que eu passei na mão dele e estava diminuindo visivelmente o inchaço. Nem ligo. O cara ia chegar na frança dizendo que foi atacado por um monstro voador assassino listradinho e as pessoas fariam OHHHHH e ficariam forever com medo de vir pra cá (oremos) e indo nas unidades de saúde ricas e finas de seu país pra perguntar se tem vacina pra picada mortal de abelha HAHHAHAHAHA.

Larguei todo mundo pra lá depois desse momentinho de fofura, engavetei inscrições certificados, mandei todos pastar, coloquei todos os emails na lista de spam. Até um tempo atrás ainda vinha um imbecil ou outro procurar o certificado "daquela palestra da frança" e eu mando sempre ir perguntar se tá na gaveta do papa, que aqui não tá não.

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Aí me aposentei nas relações internacionais, né? Ainda tentaram jogar um véio alemão mal educado aqui, querendo abrir um pen drive num computador que tivesse linux, pra que ele não corresse risco de pegar um vírus. Achei o bendito computador e falei "help yourself" e saí da sala. Não deu 3 segundos até ele vir atrás de mim, dizendo "aren't you doing it? I don't know how to use linux". Eu dei uma gargalhada e continuei andando, porque eu não acreditei que era sério. Deve estar até hoje procurando alguém pra fazer pra ele. BOA SORTE. Ou você tem uma pessoa que fala inglês ou você tem uma pessoa que sabe usar o linux.

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Bom, como eu disse, eu me aposentei maizomenos quando inventaram uma unidade responsável por cuidar dessas bobagens todas. Eles dizem que é pra facilitar a vida de alunos, mas, em teoria, é pra ter gente especializada em resolver esses detalhes internacionais. 

Cêis já viram alguém de lá trabalhando? Pois eu também não. 

Mas agora inventaram esse negózdi ciência sem fronteiras ou algo assim - gente, você que bostou isso no google e caiu aqui, desculpa (mas de verdade eu nem ligo) e aí virou a festa da uva na minha vida. Por MESES eu resisti quando alguém me ligava desesperado, dizendo que só tinha que receber a comitiva, entregar a chave do auditório e correr pras colinas. Porque eu sabia que não era verdade. Só que teve um dia em que todo mundo tirou o corpo fora - especialmente o indivíduo que SÓ ganha pra isso, que viaja o mundo inteiro pra isso, mas na hora de vir aqui acompanhar meia dúzia de pessoas faz o número do desaparecimento - e a única pessoa disponível ficou doente em cima da hora (sei). Eu fiquei com vergonha da imagem do Brasil no exterior, sério, e fui lá falar com meu chefe, pra que ele autorizasse uma tarde fora da minha sala, ajudando pessoas. Por.pura.vergonha. Meu chefe relutantemente disse sim, porque ele sabia que isso criaria um sem fim de "mas daquela vez ela foi", mas acabou aceitando pelo bem da universidade. 

E lá fui eu receber um bando de holandeses, desesperada, porque já tinha tido um COFnamoradoCOF holandês e sabia que esse sotaque não era fácio.

Pois todo mundo falava português fluente, stuplash na minha cara.

Fui lá, recebi as pessoas e fiquei fazendo sala enquanto o chave mágica do auditório não aparecia. Depois ajudei a montarem os equipamentos, ajeitarem o negócio todo, os alunos aparecerem, blábláblá. O moço holandês me pediu pra ficar presente na palestra pro caso de precisar de alguma coisa, fiquei. Eu não sabia como funcionava o ciência sem fronteiras, não sabia que dava pra estudar em outro país mesmo sem isso, que tem programas que pagam tudo pra você do mesmo jeito, apesar de sempre ter pensado em ir pra Holanda, eu vi que era muito mais amor ainda do que eu imaginava e já comecei mentalmente a fazer minha application, minhas malas e me despedir da vida sem graça que eu levo, quando o importantíssimo senhor que deveria estar acompanhando esse pessoal desde o começo resolveu aparecer, sentar do meu lado e fazer cara de interessado.

A palestra acabou, os alunos queriam fazer perguntas, mas nãããããão, o importante tinha preferência. Entrou na frente de todo mundo e começou a fazer perguntas muito inteligentes, que o palestrante tinha passado a última meia hora respondendo e ele saberia se estivesse lá. Dava pra ver nos olhos do holandês a frustração. Porque quando a universidade estrangeira faz contato, é o nome dessas pessoas que vai em todos.os.emails. É por essas pessoas que eles procuram quando chegam aqui. Aí aparece uma unexpected Vanessa que não sabe nem o que tá fazendo e tenta ajudar e todo mundo inexplicavelmente garra amor, pra quando chegar esse cara aí do ~nome~, todo mundo ficar desapontado.

No meio das perguntas idiotas, o holandês soltou um bitch please "a Vanessa esteve com a gente o dia todo, ela tem nosso cartão e nossos contatos e as respostas pra suas perguntas, você pode falar com ela depois, porque eu vou atender aos alunos" VRÁÁÁÁÁÁÁÁÁ.

Quando ele (o importante) veio me dizer "então depois você passa na minha sala, dá os cartões e um relatório", eu ri e disse NÃO.

Maior climão maneiro.

Nisso, o holandês acabou de atender os alunos e perguntou se eu tinha me interessado pelo programa. Eu respondi que sim e que naquela semana mesmo eu procuraria informações sobre como me inscrever. O meu amado colega de trabalho olhou pra mim, NA FRENTE DE TODO MUNDO, e disse "nem perca seu tempo, não temos interesse em você viajando por aí" AHHAHAHAHAHAHAHA que fino. O holandês perguntou pra ele se precisava ainda de alguma coisa e, se não precisasse, que ele poderia ficar comigo até o táxi chegar. CHUINNNN. O coleguinha então se despediu recalcadíssimo e foi embora. Eu pedi todas as desculpas possíveis pros estrangeiros e todo mundo tentando identificar quem tinha ficado mais constrangido com o movimento todo, mas no fim eles disseram que me amavam e que eu era linda e que eu definitivamente deveria ir pra Holanda. Levei todo mundo até o táxi e nunca mais tive notícias. Ouvi de quinhentas mil pessoas que não conseguiria ir pra lá nem no dia de são nunca, fiquei #chatiada e segui com a minha vida.

Até umas 3 quintas feiras atrás.

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Meus despertadores seis despertaram e eu não escutei nenhum. Acordei 10 minutos antes da hora que deveria estar no trabalho. Vesti a primeira roupa horrível que apareceu na minha frente, saí comendo o café da manhã, não penteei o cabelo, peguei o tênis que já tava no carro e saí. 

Cheguei no trabalho e me avisaram que tinha um recado pra mim. Pela hora e pelo dono, eu já sabia o que era. Não liguei de volta. Terminei meu café da manhã, fui até o banheiro, escovei os dentes, passei um batom, aceitei o cabelo, a roupa, a cara, voltei pra minha sala e esperei a bomba. Num deu meia hora, chega a pessoa desesperada, dizendo que suecos estavam chegando, sem nenhum falador de português, todo mundo tomou chá de sumiço (incluindo aquele tio esperto, que ganha pra ficar viajando pelos países, recebendo pessoas, mas ele faz a parte boa e ganha o dinheiro e eu faço a parte chata e tal). SOCOR SOS VANES MIAJUDE.

Suecos. As pessoas mais bonitas da crosta terrestre. E eu toda esculhambada. Aí a gente vai tentar descobrir pra onde mandaram os coitadinhos, quando eles viram a esquina do corredor. E eu vejo uma loira, alta, magra e linda acompanhada por um rapaz que chamarei aqui de Michael Cassidy. Uma ponta de esperança me fez perguntar se eles falavam português, mas Michael diz que não e toda minha felicidade escorre pelo ralo. Levei os dois pra guardarem as malas na minha sala, enquanto eles pediam mil desculpas por carregarem malas tão gigantes. Depois saí apresentando pra quem tinha que apresentar, levei pra sala onde eles falariam com os alunos e tava pronta pra correr pras colinas, quando Michael me pede pra ficar, porque né? Tecla sap pfv.

Ficamos mais ou menos uma hora e meia na função de atender alunos, empacotamos tudo e eles acharam que seriam jogados pra um canto da universidade até dar a hora de ir pro aeroporto. Mas eu fiquei preocupada com as pessoas tão perdidas e ofereci pra levar pra almoçar. Os olhinhos dos dois brilharam e lá fomos nós pro restaurante. A moça era uma fofa, nem parecia desse planeta. Mas Michael Cassidy, gente, não tem como explicar. Sabe quando a pessoa olha pra você com aquela expressão facial de mangá de amor no coração e você vai derretendo tipo Amélie? E ele nem tava seduzindo nem nada, era só o jeito que a pessoa era. Mas né? Cê nasce na Suécia e ganha a vida viajando pelo mundo, nasce lindo e inteligente, pfv. Tem mais é que ser feliz e derramar amor no olho mesmo.

Voltamos do almoço e eles precisavam ficar num lugar onde o wi-fi tinha senha, eu tinha senha e tava sobrando, deixei minha senha com eles, o número do telefone e fui trabalhar. Concluí que se os alunos interessados em falar com eles não soubessem inglês, não serviam pro programa mesmo, já dava aquela selecionada natural.

De hora em hora Michael vinha na minha sala perguntar se podia ficar mais um pouco, e eu dizia que sim. Aí ele soltava "what a lovely afeternoon" e ozolhinho derramando coração e eu quase perguntando se ele não queria assim, de repente, casar comigo e me levar pra Suécia e tal. No fim do dia, me ofereci pra levar os dois ao aeroporto, mas eles preferiram ir de táxi pra não dar trabalho. Levei pra se despedirem de todo mundo e apertos de mão foram espalhados pra todos os lados. Chamei o táxi e fiquei com eles até o carro chegar, pra dar mais uma ajudinha até com o motorista.

Na hora de ir embora, os dois me abraçaram. Mas abraço mesmo, não foi abraço cenográfico. Michael me apertou e disse que já veio umas 4 vezes, com certeza volta e vai me pedir dicas de passeio pela cidade. PODE VIR, SEU LINDO. Vem e eu te levo.

Fiquei pensando como seria feliz se meu trabalho fosse sempre assim: carregar gente linda e educada de um lado pro outro e, eventualmente, ver como funcionam as coisas lá no país deles. Acho que vou reunir relatos de estrangeiros satisfeitos com a minha hospitalidade e levar pro reitor. De repente um milagre acontece e eu posso ser feliz no silviço público, ao contrário das minhas expectativas.

Michael e a loira de dois metros inclusive se colocaram à disposição pra me ajudar, caso eu consiga a magia de estudar na Suécia. Marquem aí: até 2020 eu vou. Minha sala e meu quarto estão com postais por todos os lados, propostas, applications e coisa e tal. Uma hora dá certo.

*****

Hoje eu tava ali meio desanimada da minha vida, quando chega um email dos dois agradecendo por coisas super bobas, como a atenção que eu dei pra eles. Disseram que passaram por 5 universidades no Brasil e não foram tão bem tratados em nenhuma. E ó que eu nem ganho pra isso, hein? Descobri que é possível trabalhar com amor genuíno no coração.