quarta-feira, 27 de abril de 2011

Just another afternoon in paradise



Fui direto pra onde tinha que ir, porque já sabia em que lugar ia querer sentar. Entrei e vi uma única pessoa, ocupando – obviamente – o único lugar em que eu queria ficar.

- cheguei cedo pra ficar justamente aí.

- cheguei mais cedo pelo mesmo motivo.

Fiquei parada olhando o horizonte.

- senta do meu lado? – e colocou a mão na cadeira, fazendo aquele gesto característico de quem manda sentar.

Sentei.

- você não tá gripada não, né?

Minha eterna alergia estava tendo um péssimo dia, de modo que minha voz saía extremamente anasalada e rouca. Mas, felizmente, alergia não é contagiosa.

- não.

- é que da última vez que você ficou perto assim de mim, tava toda estragada e...

- ... e você teve a pior gripe da sua vida, eu lembro. Passamos uns 15 dias mudos, foi lindo.

- que bom. Se você estivesse gripada, eu ia ter que mandar você ir sentar pra lá.

*****

Começou assim uma conversa que demorou meses pra acontecer. Meia hora antes, Mr. E tinha passado por mim e não tinha visto. Escolhi não chamar e escolhi acreditar que não tinha visto. Tenho essa neura de ser ignorada desde 1997, quando um coleguinha passou por mim como quem não vê e não esperou o suficiente pra comentar aliviado com a pessoa ao lado por eu não ter parado pra conversar.

Mas ele não tinha mesmo como ter me visto.

- por que você sumiu? Tá chateado com alguma coisa?

- trabalho.

Ultimamente é assim. As pessoas somem da minha vida. Eu pergunto o que aconteceu e a resposta vem com uma palavra só: trabalho. Pelo menos no caso de Mr. E eu sei que é verdade.

Conversamos, demos umas risadas, atualizamos fofocas, demos umas alfinetadas e fim. Ninguém nem sabia como dizer tchau e, dada minha inaptidão conhecida pra isso, ficamos no aceno de mão mesmo. Mesmo a um passo de distância um do outro.

Depois de já ter dado uns 10 passos na direção contrária à minha, ele chamou meu nome.

- a gente se vê logo, tá? Ah, e meu chocolate favorito mudou. Agora é kinderovo.

Finalmente a gente tem alguma coisa em comum.

*****

Esse breve encontro com Mr. E me lembrou de um post que eu escrevi sobre ele e a vida mil anos atrás e nunca publiquei.

das coisas que nós queremos e não temos, da imprevisibilidade dos indivíduos, das indecisões e dos chocolates

título alternativo: Mr. E – uma breve história

Um dia alguém escreveu no tumblr uma frase que muito me chamou a atenção:

”Então, e como sempre, era só depois de desistir das coisas desejadas que elas aconteciam.”

Gente, é tipo a quarta lei da física, né?

(Como eu já disse uma vez, já achei tantas quartas leis da física que não sei como não tô com um Nobel aqui em casa.)

Mas é duma injustiça que nem a poesia é capaz de resolver.

Bom, o causo é que a frase pertence à dona Clarice Lispector e eu fui fazer uma investigação no google antes de atribuir a frase a ela. Vai que é tipos aqueles textos atribuídos ao Jabor ou ao Veríssimo, néam? Mas é dela mesmo. E a beleza da vida fica por conta do título da coisa em que essa frase está inserida ser “à procura de uma dignidade”. Também tô procurando, gente. Se alguém a vir, diz pra passar aqui em casa.

Devo dizer também que rolou altas preguiça de ler a coisa toda (não sei se é conto, se é crônica, que raios é aquilo), porque né? Tô lendo Nietzsche e Jostein Gaarder ao mesmo tempo e isso já é responsável pelo derretimento total das calotas polares do meu cérebro.

E tudo isso, pra falar de Mr. E.

Assim como Sarah Thomas, um rapazinho que eu conheci na estrada entre São Paulo e Curitiba, Mr. E tem esse apelido por uma razão TÃO aleatória, que nem adianta explicar. Inventem aí nas suas cabeças uma razão qualquer e pronto.

O engraçado é que eu não me lembro do dia em que me apresentaram Mr. E. E isso é muito estranho, porque eu sempre lembro esse detalhe das outras pessoas que acabam fazendo parte da minha vida. Não lembro nem QUEM foi que apresentou. Lembro vagamente de alguns monossílabos trocados, algumas tentativas da parte dele de iniciar um diálogo, mas eu estava sempre tão concentrada em outras coisas que não parava pra prestar atenção. Às vezes não levantava nem os olhos na direção dele pra responder um oi. Muito fina.

Mas eu lembro do dia em que PERCEBI Mr. E. Como acontece com as pessoas cujo dia da apresentação eu me lembro, posso lhes dizer que ele usava uma camisa de um xadrez muito horroroso, uma calça Pierre Cardin com aquele bordadinho característico no bolso e um sapato híbrido com tênis (odeio a palavra sapatênis) dum cinza esquisito. Eu usava um jeans da Levi’s com 400 mil botões e nenhum zíper, uma sapatilha rosa e cinza, uma blusa de oncinha em tons de cinza e um casaquinho cor de uva

Não pense você que é um privilégio de Mr. E esse exagero de detalhes. Dependendo da sua importância na minha vida, sou capaz de descrever movimentos das suas mãos no dia em que nos conhecemos.

E nesse dia eu estava andando e pensando em como seria interessante ter um +1 pro casamento da minha amiga, que seria exatamente dali a um mês. Pensei isso e olhei o horizonte. Mr. E vinha na minha direção e, nos poucos passos que nos separavam, revi todas as vezes em que ele tentou falar comigo e não dei bola e cometi o terrível erro de pensar... por que não ele?

O problema é que eu sou o tipo de indivíduo que ruboriza por.qualquer.bobagem. Mas não é um rosadinho discreto. É um vermelho-chamem-os-bombeiros. Foi nesse momento que tive que treinar meu ouvido pra perceber a presença dele o mais longe possível, pra evitar o ridículo de que ele percebesse que era o motivo do rubor.

Outro dia ele tava enfiado no meio da praça de alimentação do shopping. Gente, cêis já ouviu o barulho desses lugares? Eu ouvi que ele tava lá muito antes de chegar perto. É um absurdo meu detector de presença. Eu posso não conseguir matar um mamute, me alimentar de carne ou passar mais de 5 segundos em contato com a natureza, mas aposto que essa habilidade seria minha salvação na era das cavernas.

E essa paixonite por Mr. E durou até um dia em que eu andava pela calçada pensando na vida. E criando grandes roteiros pra ela, de modo que parecesse um filme. Pensei assim, despretensiosamente, em como seria engraçado se ele de repente aparecesse andando na direção oposta e... pelamordedeus quem é aquele vindo ali não pode ser.

Era.

Eu tava tão impressionada com a materialização daquilo, que não prestei atenção num detalhe muito importante. Só enxergava o cerumano vindo na minha direção, enquanto o vento frio batia no meu rosto e mexia no meu cabelo, em câmera lenta. Quando estávamos a uns 4 passos um do outro e nossos olhares se encontraram, ainda em câmera lenta eu comecei a sorrir. Foi quando ele desviou os olhos, virou o rosto pro lado esquerdo e esbarrou o ombro no meu, sem dizer nem oi.

A velocidade da cena voltou ao normal enquanto eu abria tanto a boca que engoliria uma melancia inteira sem problemas e me curvava pra frente, como se tivesse levado um chute no estômago. Parei o chilique, olhei pra trás e foi SÓ AÍ que eu percebi uma menina do lado dele. A namorada. A NOIVA.

Ah, gente. Para.

Recapitulei todas as conversas do período. Não era possível! Mr. E fazia questão de chamar minha atenção a qualquer custo cada vez que me via. Como assim esse cerumano era comprometido? Alguém explica? Aplusk?

Como homem comprometido - não trabalhamos, voltei eu aos monossílabos de sempre. Que ele fazia questão de transformar em conversas, cada vez mais longas. O engraçado é que a efusividade desaparecia toda vez em que ele me encontrava na companhia dela. No começo eu ficava magoadinha, evitava contato com ele o quanto podia. Mas isso já faz tantos anos que, em certo ponto, deixei pra lá. Aproveitei a amizade e as conversas divertidas que ele é capaz de ter e tamos aí. Hoje em dia ele já me cumprimenta quando ela está por perto, apesar de mudar completamente o tom. Vou fazer o que além de ficar na minha? Tô quieta.

*****

Acontece que Mr. E anda meio esquisito. Outro dia até conferi a mão dele, pra ver se a aliança continua lá. Sabe quando a pessoa força a proximidade, força assunto, força até reparar no cabelo que você não cortou uma semana antes de você cortar de fato e ficar extremamente constrangido quando você aparece com ele completamente diferente? Então.

Outro dia ele me cumprimentou e não disse mais nada. Eu já estava seguindo meu caminho, quando ele parou na minha frente, continuou mudo, mas olhando tão fixamente pro meu rosto, como se fosse ler meu pensamento através da minha testa. Ao sentir o oitavo tom de rosa aparecendo nas minhas bochechas, tive que intervir.

- que foi?

- comprei uma coisa pra você. Acho que você vai gostar.

Alguém aí pode fazer o favor de explicar? Ajudar? Aplusk?

Agora, que eu procuro desaparecer quando ouvo a voz dele se aproximando, é que ele não cansa de exaltar minha beleza. Hoje mesmo. Além de sair da pose de sempre e dizer que eu estava bonita, ainda mexeu no meu cabelo. (E olha, normalmente precisa MUITA intimidade pra eu permitir que pessoa se aproxime do meu cabelo.)

Dona Clarice estava certa. Devemos todos procurar um pouquinho de dignidade. E deixar de querer tudo o que queremos. Tudo só vai acontecer quando eu não quiser mais.

*****

Algumas coisas não vão acontecer nem quando eu não quiser mais.

Mas o xadrez que Mr. E usava desta vez era muito mais digno. Assim como o jeans (que não era Pierre Cardin, oremos) e o tênis, que era tênis direito, sem misturar com sapato.

Life is good.