quinta-feira, 1 de setembro de 2011

hoje, na sessão da tarde



este post contém spoilers

Eu conheço uma mulher que apanhou do marido por vários anos, até levar uma surra muito grande mesmo e finalmente denunciar o infeliz pra polícia, conseguir mandado de restrição, divórcio e uma vida tranqüila.

O caso é que eu nem imagino o que esse tipo de violência faz com a pessoa. Só sei que apesar do jeito aparentemente calmo que essa mulher tem de levar a vida, eu concluí recentemente que era tudo extremo autocontrole.

Ela trabalha numa locadora e sempre dá um jeito de pegar pra gente uns filmes meio desconhecidos, coisas que mal foram lançadas ou até tranqueiras que estejam lá encalhadas. Só porque sim, sem a gente pedir. Ela só traz e diz “esse filme é muito bom, acho que você deveria assistir”.

Acontece que, não sei se por causa da personalidade ou por causa do ocorrido, ela só trazia filmes de vingança. Vingança feminina. Assisti uns três ou quatro, tive que parar um outro no meio pra dar uma vomitadinha (o negócio era TENSO) e decidi recusar qualquer DVD que ela me entregasse depois daquele “os homens que não amavam as mulheres”. Eu ODEIO esse tipo de filme, mas sério, os que ela me deu pra ver eram tortura. Agora, tortura e violência em, sei lá, sueco, eu não mereço.

Tentei sinceramente me colocar no lugar dela, dar um apoio moral, mas é demais pra mim.

Aí esses dias ela chegou, sentou do meu lado, pegou um DVD na bolsa e me entregou. Eu tava lá toda preparando meu discurso de “tia, eu vou virar bulímica com esses filme aê” e ela me entrega “o noivo da minha melhor amiga”.

Tenho que confessar que eu senti um medinho de algum moço morrer de forma trágica no decorrer do filme.

*****

Chick flick pra mim é igual pizza: é bom até quando é ruim, desde que ninguém morra no final. Mentira, eu não gosto de chick flicks em que o casal não fica junto no final. Coisas tipo Outono em Nova Iorque e Doce Novembro me fazem querer meus cincão de volta, sabe? Na VIDA as coisas dão errado, no filme elas têm que dar certo.

Por isso eu só assisto filme bocó. De complicada, desencontrada, errada e pesada já basta minha vida.

Mas ok, independentemente da qualidade do filme, do fato de eu ter sido enganada pela vida e visto um filme que tem livro ANTES do livro, só porque eu não sabia que era um livro antes de eu assistir (e poder jurar que o livro é melhor e sofrer por causa disso, porque eu já vi esse bendito livro na livraria, em inglês, com o nome certo. Maledetas traduções!), eu gostei, porque as pessoas ficam juntas no final (eu avisei que tinha spoilers).

O problema foi só que o filme foi acontecendo e eu fui lembrando da minha vida e sofrendo miseravelmente, porque olha, na vida, as pessoas não ficam juntas no final.

Cê vê lá. A menina boboca, meio esculhambadinha, chega o cara lindo, rico, inteligente e obviamente ela não capta os sinais. OBVIAMENTE. Tamo junto, amiga, não dá mesmo pra acreditar. Só que nem todo cara lindo, rico e inteligente vai ficar esperando duzentos mil anos até cair sua ficha, né? É.

*****

Eu estudei numa faculdade de gente rica. MUITO rica. Filhos de banqueiros, filhos de políticos, filhos de empresários (tipo empresa MONSTRO, que todos vós conheceis), filhos de ganhadores da mega sena (sério), filhos da puta, tava cheio, filhos de diplomatas. Tudo lá, enfiado numa mesma sala, com a minha pessoa.

Minha vida tinha sido linda na high school. Eu era bonita, engraçada, mais inteligente que todo mundo (kkk), descolada, fashion. Na business school eu era só a pobre que não fazia unha, não escovava o cabelo, não tinha luzes, não usava salto e maquiagem, não tinha sobrenome com 38 consoantes e 1 vogal.

Eu tinha o mesmo par de tênis em 7 versões da mesma cor, eu me vestia igual hippie (jeans boca de sino e camisetinhas coloridas), meu cabelón tava numa fase rebelde de cachinhos, num “corte” que ia até a cintura. Reflitam.

Ninguém me convidava pra festa nenhuma, porque eu não tinha casa nos hamptons (kkk) e tampouco era daqueles mogolóids que abrem mão da própria vida pra estudar seus cadernos em que constam até as pausas pra suspiro do professor. Passei 3 anos completamente fora do radar daquele povo.

Até que.

Até que no quarto ano, o penúltimo, a negada lembrou que aquilo era uma faculdade, que talvez o dinheirinho do papai até comprasse uma monografia bem bonita, mas poderia não funcionar com o professor de administração de recursos materiais e patrimoniais e que a compreensão do mundo corporativo podia até ser importante. Aí sim, descobriram meu cérebro naturalmente privilegiado e eu passei a ser convidada assim, como quem não quer nada, pras festinha dos amigue.

Gente cujas casas têm lavabos maiores que meu quarto e uma sala de estar maior que a minha casa. Sem hipérbole.

Foi nessa época também que as turmas começaram a se misturar (nossa turma tinha um pacto de permanecer junta até o fim dos tempos, que inocentinhos), porque começamos poder escolher rumos diferentes de carreira.

Foi aí que GORLAMI apareceu na minha vida.

Festa de gente rica, todos lindo. Eu lá, com cabelos e roupas destoando da multidão. Gorlami sendo lindo e parando sempre casualmente do meu lado.

Em algum momento ele disse aquela frase de filme “vou buscar alguma coisa pra beber, você quer?” e eu respondi que queria coca cola. Cê vê. Tinha uma fonte de absinto acontecendo, daqueles absintos proibidos, sacoé? Todos já locão e eu pedindo uma coca. Gorlami não acreditou. Perguntou se eu não queria mesmo a fada verde, e eu com a maior cara de Q, explicando que não tinha ideia do que vinha a ser aquilo. Gorlami aparentemente achou incrível e não me largou o resto da noite.

Ele não me largou e eu não peguei ele, porque né? COMOASSIM, um cara lindo, rico, inteligente, dono de não uma, não duas, mas FÁRIAS empresas, educado, e gente boa pra caramba ia querer alguma coisa com a pessoa pobre, feia e desprovida de talento comercial?

Depois dessa festa, Gorlami virou aluno que freqüenta biblioteca, que estuda pra prova, que faz trabalho. Tudo comigo pendurada do lado. Gorlami me levava no Mcdonald’s se eu tivesse fome, pra casa dele quando a mãe fazia sobremesa, pro fim do mundo, se eu precisasse de carona. Ele inventava que tinha se perdido completamente em alguma matéria e me convidava pra estudar no sábado à tarde. SÁBADO À TARDE. Tem que ser muito imbecil pra não pegar o sinal, hein?

E, como se tudo isso não bastasse, em dias de chuva, Gorlami pegava seu lindo carrão elorme, passava em alguma distribuidora de doces, comprava quilos e mais quilos de twix (meu chocolate favorito da época) e levava até meu local de trabalho. Porque sim.

Matava as secretária tudo de amor, porque Gorlami era lindo e galanteador (/vó). Era só a fofa ligar pra mim suspirante, dizendo que eu tinha visita, e eu já sabia quem era.

Mas né? Como diz minha mãe, “certeza que algum grau de autismo você tem, vanessa”. E eu não captei. EU NÃO CAPTEEEEEI.

Numa das últimas tentativas que ele fez, depois de passar um sábado inteiro me carregando pra lá e pra cá (porque eu precisava comprar ração do meu cachorro, voltar em casa e DAR a ração pro cachorro, levar sei lá o que pra sei lá quem sei lá onde, comprar um livro, plantar uma árvore e ter um filho), em vez de ir jantar com ele, eu disse que tinha outros planos. HAHAHAHAHA. Eu tinha outros planos. Meldels. Convidei Gorlami pro meu outro plano, mas ele disse não. Então eu disse tchau, mas ele disse que me levaria até lá. ELE IA ME LEVAR HAHAHAHAHHAHA. Ele me levou. Paramos na porta. Antes que eu descesse do carro (porque ele sempre descia antes pra abrir a porta, então eu tava esperando), ele ainda olhou pra mim e disse “você tem certeza, vanessa? Tem certeza de que tem outros planos?” e eu, muito perspicaz, respondi “ué, mas não tô te falando que isso já tava marcado faz uma semana e bláblábláblá...” ele desceu do carro, abriu a porta, segurou minha cabeça, beijou minha bochecha (beijo mesmo, não choque de bochechas) e falou “então tá bom, eu vou parar de te perturbar”.

*****

Nós ainda convivemos por mais uns 6 meses e eu não entendi nada. Ele sumiu da minha vida, era bruto se eu entrava em contato, esfregou umas 25 meninas na minha cara e eu não entendi nada. Até o dia em que ele sumiu de vez.

Pergunta quanto tempo depois eu tive a revelação?

OITO.ANOS.

Eu tava passando na frente da casa dele pra ir pra algum lugar, as memórias foram vindo, foram vindo, foram vindo e eu caí no choro no meio da rua, porque né? NÉ? NÉ?

Gorlami era a pessoa mais perfeita do mundo e eu nem tchuns. Parabéns, viu? Parabéns.

*****

Gorlami é muito (mais) bem sucedido hoje em dia. Se eu escrevesse o verdadeiro nome dele aqui, praticamente todo mundo saberia quem é, então deixemos esse nome fictício/piada interna no lugar.

Até hoje eu vejo ele de vez em quando, quando passo na frente de um dos milhares de estabelecimentos que ele possui. Porque ao contrário de 98% dos idiotas das pessoas da minha faculdade, ele estava lá porque queria. O resto estava lá pra conseguir um quadro pra pendurar na parede do escritório do lado do papai e herdar os negócios da família. Gorlami tinha os próprios negócios e estava lá pra melhorar mesmo. Um rapaz de ouro. (/bisavó)

Gorlami continua lindo, provavelmente continua rico e eu duvido muito que continue sozinho.

E eu fico aqui fazendo muita força pra não me lembrar dessa história, de como essa minha mente imbecil é capaz de me boicotar de vez em quando e de como eu vou morrer sozinha (ou casar com maconheiro, como costumam ameaçar).

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Filme estúpido.