Quando
você se muda de cidade no meio da vida, você entra numa dinâmica curiosa:
depois de um tempo, a cidade nova é sua casa. Mas, ao mesmo tempo, toda vez que
você vai à cidade onde cresceu, também sente como se estivesse chegando em
casa. Só que em alguns momentos é como se você não pertencesse a nenhum dos
dois lugares.
Agora,
por exemplo, que a cidade em que eu cresci passa por dias que parecem cenário
de guerra, eu não estou lá e não sei como proceder. Por um lado, eu tenho que
explicar pra outras pessoas que, como eu, também não estão lá [e diferente de
mim não têm laços afetivos com o lugar] por que eu me importo. E por outro, por
mais que eu me importe, eu não tenho muito que fazer pra ajudar.
Tem
gente que acha que não precisa se preocupar porque não mora em São Paulo. Porque
não conhece ninguém em São Paulo. Porque não usa o transporte público em São Paulo.
Tem gente que não entende que não é por vinte centavos que as pessoas estão
protestando. Isso é um reflexo da economia que atinge quem está lá, quem
conhece alguém de lá e atinge você, que é brasileiro e cidadão, em qualquer
lugar onde você esteja.
O
que acontece lá é um reflexo da política que é praticada no país inteiro onde
você mora. Dizer que acha que a polícia tem mesmo é descer a bala e bater nos “baderneiros”
é autorizar a mesma polícia a te tratar assim no dia em que você estiver
lutando por uma causa que te atinja “mais diretamente” ou até mesmo quando você
estiver andando na rua, cuidando da sua vida. Dizer que esse povo é um bando de
vândalo que tinha mais é que parar de atrapalhar o trabalhador e a cidade, é
legitimar o poder do governo de abusar de você, do seu dinheiro e dos seus
direitos. Todos os seus direitos.
[http://feridosnoprotestosp.tumblr.com/post/52923794099/estou-escrevendo-esse-texto-em-pe-porque-esta]
Eu
me preocupo com o que acontece em São Paulo porque a forma como as coisas vão
se resolver dá o tom de como o país vai andar. Em algum momento, já foram
chamados de baderneiros aqueles que foram pra rua reclamar da opressão, da
ditadura e garantiram o direito que eu e você hoje temos de votar, de
participar ativamente na escolha de quem nos representa, de nos encontrarmos
com mais de 5 pessoas por vez. Ainda que a maioria possa acabar escolhendo
governantes que causam esse tipo de situação que São Paulo vive essa semana, a
escolha é nossa e – ainda – temos direito de protestar quando ela dá errado. Também
já foram chamados de baderneiros aqueles que saíram em defesa de toda a nação,
com os rostos pintados de verde e amarelo, pra que nós todos, eu e você,
pudéssemos nos livrar de um presidente corrupto e tivéssemos direito de viver
em um país melhor. Se hoje eu me sinto um pouco triste por não poder sair do
trabalho às 17h e ir me juntar aos manifestantes que ainda não desistiram, é
porque eu prefiro ser a pessoa que está lá lutando por um país melhor pra todo
mundo do que ser a pessoa que senta na frente da tv, acreditando em notícias
tendenciosas, gritando de dentro da minha sala que tem mais é que sentar a
porrada nesse bando de desocupado mesmo. Isso em tempos em que é só abrir uma
página na internet e ver os dois lados. Eu quero ser a pessoa de quem os
descendentes têm orgulho. “Minha avó estava lá lutando contra esse absurdo.”
Se
eu me preocupo com o que acontece em São Paulo, não é por que o transporte está
20 centavos mais caro ou porque meu pai mora lá, ou porque minha irmã está
passeando lá ou porque eu tenho amigos jornalistas, fotógrafos, publicitários,
advogados, manicures, bancários, vendedores, estudantes e desempregados que
estão protestando ou passando pelo centro por qualquer outra razão. Eu me
preocupo porque em São Paulo estão milhões de pessoas. Pessoas que eu não
conheço. Pessoas como eu e você, que se sentem desrespeitadas pelo governo e
pela situação econômica do país.
Hoje
eu não posso pegar um avião e dar a mão pros meus amigos que estão protestando.
Eu não posso combinar de encontrar meus amigos que planejam sentar na Avenida
Paulista até que a população seja tratada com mais respeito. Eu não posso
comprar um frasco de vinagre e me juntar a outras tantas pessoas com essa arma
perigosíssima que só serviria pra me defender. Mesmo que eu estivesse em São Paulo,
eu talvez não pudesse me dar ao luxo de me expor à possibilidade de contato com
gás lacrimogêneo com a minha saúde tão estragada. Talvez eu não pudesse me dar
ao luxo de arriscar apanhar de cassetete ou levar um tiro de borracha, porque
eu só tenho um rim. Talvez fosse estúpido arriscar a minha vida me expondo à
violência quando a minha intenção e a das milhares de pessoas à minha volta seria
totalmente pacífica. Talvez fosse estupidez arriscar tanto assim a minha vida,
mesmo sabendo que o problema também é meu. E é possível que mesmo assim eu
fosse.
Porque
não importa onde eu esteja, em Curitiba, em São Paulo ou em qualquer outro
lugar. Não interessam minhas condições de saúde. Não interessa o quanto o
problema me afeta diretamente. Mas se eu não posso ir pra rua, pra cantar,
andar e protestar pacificamente pelos meus direitos, eu posso, no mínimo, expor
o meu apoio pra quem está lá. Eu posso acreditar que minha opinião consiga convencer
do contrário ao menos uma pessoa que acha que não tem nada a ver com isso ou
que a manifestação está errada. Eu posso chamar a atenção de quem se recusa a
ler os inúmeros relatos de quem estava lá, de quem viu de perto e de quem não
tem compromisso nenhum com a política de veículos formais de informação e não
tem razão pra mascarar os acontecimentos. Eu posso fazer propaganda das pessoas
que estão orgulhosas por terem ido além do protesto de sofá. Eu posso pedir
pros meus amigos se cuidarem, por favor, enquanto cuidam da cidade que deveria
estar no coração de todos nós.