sexta-feira, 7 de novembro de 2014

vendo a morte, do verbo olhar



Ontem eu me vi presa no trânsito, num horário que raramente tem carros naquela rua. Lembrei que estavam pintando ciclofaixas naquela região e aceitei pela causa maior. De repente, quando eu cheguei no cruzamento onde achei que veria uma linda faixa vermelha, tinha um monte de cavalete, lixo, cadeira, uma barreira de tralha, que não apenas fechava a rua, mas direcionava o fluxo dos carros pro meio da favela. Essa favela fica no caminho da minha casa em praticamente qualquer lugar que eu esteja, então eu descobri umas 97 formas de não passar por dentro dela, obrigando inclusive taxistas a fazerem o mesmo. Ou seja: eu não conhecia o interior do local, com exceção de duas ruas que minha mãe insiste em passar, mesmo comigo berrando NÃÃÃÃÃO dentro do carro. De modos que um pânico tomou conta de mim e pensei "ferrô" e comecei a tremelicar. Mas olhei nos meus olhos pelo retrovisor e gritei VIRA HOME e usei todos meus neurônios pra tentar botar ordem nas ruas e achar o rumo de casa. O milagre aconteceu, eu achei o caminho, aí lembrei de uma história que tem o maior potencial pra ser engraçada, mas pra ter todo o impacto necessário, eu preciso contar detalhes que

a) expõem pessoas;
b) revelam o quanto eu sou horrível.

Eu imagino que nenhum dos envolvidos leia isso aqui hoje em dia, massss, caso leia, lembre-se de que não disse nomes e vocês só serão reconhecidos por meia dúzia de pessoas.

*****

Eu tenho um problema de vibe. Eu mando as vibe errada pras pessoas. Eu tô vivendo lá, tranquilinha, vem um amigo e fala, DO NADA, "fulana se declarou pra mim, mas eu disse que não tô interessado porque a gente tem aqui esse lance mal resolvido e eu achei que seria injusto com ela". E eu o.O. Tipo que nunca nem notei que a gente tinha um lance, tava aqui achando que era amizade e o amigo #chatiadíssimo que brinquei com os sentimentos dele. Sério, acontece DEMAIS. Hoje em dia eu saio falando que não sou afim de ninguém, nunca, pra pessoa não ficar aí entendendo errado e me culpando.

Então nessa época estava acontecendo uma coisa importante que ninguém sabia.

Era uma amizade colorida que eu tinha com um amigo de uns anos já. Ou seja, eu achei que ele me conhecia o suficiente pra levar o negócio suavemente. E a gente decidiu que pra funcionar, seria secreto. Nenhum dos dois queria a sociedade cobrando da gente o que a gente não se cobrava. Mas nego começou a reclamar dos meus amigos, numa onda de namoradinho. Perguntei se queria mudar o status do relacionamento (não que eu fosse dizer sim) e aí ele começou a me acusar de grudenta. DECIDE AÍ, NÉ?

Mas tava tudo bem no relacionamento numa semana específica (milagre) e a gente saiu num grupo de 8 amigos em comum. Entre eles, um amigo meio perturbado, mas muito gente boa, que geralmente dava carona pra todo mundo até o bar e raramente ficava lá. Nesse dia ficou. O saldo era: duas pessoas com carro e seis pessoas necessitantes de carona. Eu e meu peguetchy concluímos que o casal que tinha carro carregaria 3 pessoas, o amigo perturbado seguiria pra sua casa, fora do caminho de todo mundo e a gente iria embora de táxi, dizendo que rolaria uma divisão porque a casa dele era no caminho da minha. Parecia um plano excelente, mas fuén.

O casal que tinha carro resolveu levar as 3 pessoas sim. Mas uma delas morava no mesmo prédio que meu peguetchy, então eles acharam super lógico que ele fosse no carro junto. Seis pessoas num carro já é meio desconfortável, mas pense que eram 3 gordos e 2 girafas entre eles, então ficava um pouco ridículo. Enquanto isso, diziam que o amigo perturbadinho me levaria em casa e eu dizendo que não precisava não, que isso, que eu ia de táxi, até dividiria com alguém do carro lotado, quem sabe uma das girafa e etc, meia hora de discussão, o BANANA com quem eu me relacionava se enfiou no carro com as outras cinco pessoas e eu fiquei sem graça de dar um fora no que me levaria pra casa e fiquei 23 quadras em silêncio dentro do carro dele, mandando hate messages pro meu peguete burro.

O motorista do meu carro então quebra o silêncio. Diz que eu não preciso ficar constrangida, mas não vai rolar.

- q

- eu sei porque insistiram em enfiar seis num carro.

- ah, sabe?

- queriam te deixar sozinha comigo. Querem juntar a gente.

- NÃO QUEREM NÃO.

- fica tranquila que não vou ficar estranho com você, mas não rola mesmo.

E assim eu levei um fora não requisitado.

Escrevi a história pro peguete burro com muitos caps lock, escrevi pra todo mundo que se enfiou no outro carro, fiquei MUITO BRAVA e prometi que nunca mais pegaria carona na vida. Não cumpri e fuén.

*****

Aí sei lá que erro que deu na matrix e o amiguinho do fora não requisitado descobriu que me amava e fazia muita questão de deixar isso claro e eu não entendia mesmo. Meu peguete banana reclamava, mas não fazia o favor de ir lá conversar com ele, só ficava reclamando comigo, que tava na minha. Tava muito difícil minha vida e mandei todo mundo pastar, viajei por um período semi longo e desapareci.

Postei no twitpic (história nova) uma foto do lugar onde eu tava, peguete banana veio puxando conversa, pedindo uma chance, eu tava bem sem critério, falei que a gente conversava quando eu voltasse.

No dia que eu voltei, ele me mandou uma mensagem dizendo que estava de plantão, mas me encontraria ~no lugar de sempre~ até umas 21h. No lugar de sempre estavam um milhão de pessoas conhecidas, como sempre. Mas tinha um moço novo, que eu não conhecia, mas que parecia gente boa. Fiquei ali fazendo hora e peguete banana dando reports de atraso sem fim. A temperatura foi caindo, foi começando a chover e eu bem feliz considerando ir pra casa dormir sob as cobertas e ele pedindo pra eu não desistir pelamordedels e pra ir pro bar que todo mundo fosse, onde ele me encontraria, sem falta, até 1h da madrugs.

Na hora de dividir os bocó por carros, quem tava lá com vaga sobrando? Isso mesmo, o do fora não requisitado. Mal ele falou que tinha 4 lugares no carro, o cara novo falou "eu também tenho". Antes de ele terminar a frase, eu respondi VOU COM VOCÊêêEêê. Veja bem, eu queria desesperadamente fugir de outro fora, só isso que me motivou. No fim das contas, eram 4 motoristas e 4 caronistas, de modos que eu pensei UFA.

Chegando no bar, tudo muito bom, tudo muito frio, eu já querendo mandar tudo pra pqp e ir pra casa ficar seca e quente, peguete banana avisa que tá chegando. Só que depois de um tempo, ele raramente aparecia nos lugares onde eu estava, porque era realmente burro e achava que isso era ~dar bandeira~. Azar dele, né? Mas nesse dia todo mundo ficou chocado com o fato de ele SER VISTO e, ó que mongolice, saber ONDE a gente tava. Falei que eu que mandei mensagem convidando e ele ficou muito apavorado e fez o que? Isso mesmo, saiu berrando "ééééé, porque eu tô solteiro e hoje vim pra pegar alguéééém!!11".

AH ÉÉÉÉÉ? Então muito boa sorte, porque eu tô indo pra casa.

Achei que o zóio dele ia cair da cara quando peguei o telefone e comecei a ligar pro táxi. O ~cara novo~, com quem eu tinha ido até lá, falou "tô indo embora e vou levar a fulana pra casa, quer carona?". Com o olhar de pavor do peguete burro piorando, aceitei. A fulana em questão vivia dizendo pra todo mundo que morava cinco quadras pra frente da minha casa, pensei que era meu dia de sorte e fui.

HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAAHAHAHAHAHHA ninguém mandou ser burra.

Entramos no carro e a fia falando que não lembrava o nome da própria rua. Falei pro motorista ir no caminho da minha casa, que de lá ela se achava. HAHAHAHAHAHAHA.

Eu sou muito tapada, meu povo. Eu não percebi o golpe. Não percebi nem quando ele falou "nããão, a gente leva ela primeiro". Já fiquei chati, porque se eu aceito o bonde da carona é só se vou ser deixada em casa primeiro, mas era gente nova, eu queria fugir do banana, acabei caindo numa armadilha. Quase pedi pra me largar em qualquer posto de gasolina pra que eu pegasse o táxi com que tava sonhando há horas, mas achei rude.

Então a gente foi indo meio sem rumo, a menina indicando o caminho, eu pensando "uéééé, mas isso não tem nada a ver com a minha casa" e consegui ainda ficar surpresíssima quando a gente foi parar na região metropolitana.

- MAS, FIA, ISSO AQUI NEM CURITIBA É MAIS....................

- É, e eu não sei como chega na minha casa.

CÊ.JU.RA.

A fia lembrou o endereço, colocamos no GPS e fomos seguindo, ninguém sabendo onde tava. Eu achando tudo muito horrível e considerando se não era melhor ter sucumbido ao banana, se não era melhor ter desmaterializado, ligado pra minha mãe, qualquer coisa. Fomos andando e seguindo as orientações do GPS e não chegava nunca e eu querendo morrer de catapora e nada e, cara, cê não acredita. O negócio mandou a gente virar numa rua que mal tinha iluminação e eu falando "não pode ser não pode ser não pode ser". Pois a gente entrou na rua, que era sem saída, onde estava acontecendo uma batida policial NERVOSA, porque era o meio de uma favelona. A gente num carro preto, com vidro escuro, uma e meia da madrugs, carrinho de preibói no meio da favela, gente, cêis tão entendendo? Quando eu vi que a rua era sem saída, comecei a rezar imediatamente. Mandei o dono do carro abrir o vidro, dar meia volta e ir andando bem devagarzinho. 

Nesse momento, os puliça tinham mandado os meninos que tavam revistando embora e tinha apenas 3 metralhadoras visíveis apontando na nossa direção. Não imagino quanta gente escondida deveria ter. Não quero saber. Eu, a essa altura, já estava com as mãos ao alto. O policial fez sinal pra gente parar, enquanto eu GRITAVA NO CARRO pra parar. Uma lanterna cegante foi posicionada a 10 centímetros da minha cara, juntamente com o bico da metralhadora. Eu não enxergava NADA.

- moço, boa noite. A gente é de Curitiba e veio dar carona pra essa menina que tá sentada aqui atrás. O nome dela é tal, a rua dela é essa, o GPS, se o senhor puder olhar ali no painel, mandou fazer esse caminho, sem dizer que a rua era sem saída. Eu não conheço esta cidade, nem meu amigo que está ali dirigindo, se o senhor puder fazer o favor de indicar o caminho, eu ficaria bastante grata.

Só Deus sabe como foi que eu lembrei inclusive o nome da rua da menina e fui capaz de falar tanta coisa sem chorar ou engasgar. Acho que a gente só tem noção do tamanho da coragem quando tá com uma arma apontada pro meio do nariz, né?

Com a lanterna e arma ainda na minha cara, ele apenas respondeu que a gente tava bem fora de curso.

- a gente tá perdido mesmo, a menina não sabe o caminho de casa.

Nesse momento, lembrei que a infeliz era menor de idade e temi mais ainda pela minha vida. Sem desviar lanternas e armas, ainda notei outro policial atrás de um poste, mirando em mim. Nunca tremi tanto na vida. Então ele começou a explicar o que a gente teria que fazer pra achar o caminho, eu muito atenta, agradeci, desejei boa noite, bom trabalho, pedi desculpa por ser burra e a gente foi saindo, eu com as mãos levantadas ainda, achei que nunca mais abaixaria.

Quando saímos da rua, eu comecei a gritar com todo mundo. COMO ALGUÉM NÃO SABE ONDE MORA??? COMO ALGUÉM OFERECE CARONA SEM SABER PRA ONDE TÁ INDO??? COMO VOCÊ ME DIZ QUE MORA NO FIM DA MINHA RUA???

Sério, eu entrei em modo insano, não conseguia parar de falar, de gritar, de tremer. Até eu olhar no retrovisor e ver uma viatura seguindo a gente. CARA, A VIATURA TÁ SEGUINDO A GENTE PRA VER SE NÃO TAMO MESMO INDO COMPRAR DROGA, EU VOU MATAR VOCÊS DOIS, CARA, ACHO BOM VOCÊS TEREM PRESTADO ATENÇÃO NO CAMINHO, VOCÊS SABEM QUANDO EU VOLTO AQUI NA MINHA VIDA? NUNCA MAIS, NUNCA MAAAAAAAAIS. Etc.

Paramos na frente da casa da menina. A viatura parou atrás. Tinha outra na rua transversal. As duas apagadas o tempo todo, sirenes e luzes pra direção. A fia entrou em casa, trancou o portão e fomos saindo, as duas viaturas ainda apagadas seguindo. Foram até o limite da cidade seguindo a gente e eu em silêncio, apavorada. Cruzamos a ponte que marcava a volta pra Curitiba e as viaturas abriram igual em filme, sabe? Cada uma foi pra um lado e a gente seguiu em direção à minha casa.

Eu respirei com a sensação que tinha ficado uma hora segurando o ar. Fiquei MUITO BRAVA MESMO, porque, gente, como explicar em casa que rolou uma metralhadorinha na cara? Uma visitinha no interior de uma favela perigosa? 

E tudo isso por que? Isso mesmo. Porque láááá no começo, quando eu me ofereci pra entrar no carro desse moço no começo da história, ele achou que eu tava querendo muito ele. Quando eu aceitei a carona, ele achou que NOSSA, eu tava querendo muito ele. E me deixar por último seria uma excelente estratégia pra eu colocar o querer ele em prática.

Minha vida não é fácil não.


*****

Pois eu namorei os dois, o cara da metralhadora e o peguete banana naquele ano. Com o peguete banana, inclusive, passei ainda mais de um ano, porque gente burra tem mais é que se lascar mesmo. Do peguete banana não quero ver nem a cor, mas o da metralhadora ainda é muito meu amigo até os dias de hoje (vai entender o que acontece na mente em momentos de tensão compartilhados, né?).

*****

Fiz todo mundo ficar quieto sobre essa história, pra não ter que ficar de castigo aos 30 anos e tudo ia muito bem, até o dia em que eu tava contando sei lá que história pra minha mãe e ela dando chilique porque alguma coisa séria tinha acontecido e eu soltei bem inteligente "ah, mãe, isso não é nada pra quem já ficou na mira de duas metralhadoras, uma delas bem no narizinho".

HAHAHAAHAHAHAHAHAHAHA (não).

FUÉN.