q
Com o advento das eleições, sobre as quais não me pronunciei, como não me pronuncio desde 1994, quando fui obrigada por um trabalho de escola, descobri que sou amiga dum monte de babaca. Não que eu não soubesse que era amiga de alguns babacas, mas gente, é um monte.
Se você acha válido, fico contente por você, mas acho de uma chatice sem fim quem declara voto. Quando a pessoa não vota em quem eu voto, eu muito questiono a sanidade mental dela (em silêncio, dentro da minha mente), queria poder evitar. E poderia, se vocês CALASSEM A BENDITA BOCA. Que mania de ficar declarando ideologia. Seu amiguinho indeciso não vai se decidir quando você fala "eu voto X". NÃO VAAAAAAAAAI. E você tem direito de votar nessa pessoa, aperta a bendita tecla na urna e seja feliz. Mas não enche o saco.
E aí tem a ala das sofredora, curto muito. Voto em fulano porque sou pobre, minoria, oprimido. E? Seu voto num conta igual da pessoa que você muito erroneamente chama de coxinha (chamar coisa ruim de coxinha, que contrassenso)? Então não torra, meu amor.
Aí eu lembrei de um dia que tava aqui em casa, sofrendo muito da minha classe média, quando o namorado da minha irmã achou muito conveniente dizer "tá reclamando demais pra quem nasceu na favela". E foi só aí que eu lembrei que nasci na região do m'boi mirim, apesar de já ter rido sem fim de todas as vezes que a katylene usou isso como sinônimo de baixa renda. Cêis num cridita? Pois é verdadíssima.
Me perguntei se ter nascido na favela valida minha opinião política que, já aviso, passa LOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOONGE do comunismo, nunca fui comunista, de esquerda, espero jamais ser. Tá permitido? Se nasceu favelada pode?
Massss, antes de chegar na minha história de nascida na parte pobre da zona sul paulistana, eu fui refletindo sobre minha genealogia e resolvi contar pra vocês, usando APENAS, vejem bem, APENAS parentes que eu CONHECI. Não vou falar de ninguém que já tenha morrido antes de eu nascer ou antes de eu obter memórias dessas pessoas, ok? Vamos aqui legitimar meu direito político através da minha árvere genealógica. Fiquem ligadinhos.
(Pelamordedels, quem não vem a este blog há mais de 10 anos, favor entender que nunca me levo a sério, embora também nunca minta. Tudo que vai ser contato aqui é estritamente verdade.)
Começando por essa senhora que não sei quem é, mas sei que é de onde vieram os genes bons:
Começando por essa senhora que não sei quem é, mas sei que é de onde vieram os genes bons:
deve ser mãe da minha bisavó, porque é IGUALZINHA.
Hahaha mentira, vamo tentar aqui uma ordem.
Bisavó paterna, mãe do pai do pai, vó Joana.
Vó Joana já tava bem gagá quando eu cheguei, tadinha. Teve uma infinidade de filhos. Baiana, nordestina (omg, nordestinos na linhagem conta ponto? mais se for mulher e pobre?). Vó Joana tinha um aspecto de índia, embora eu não saiba muito sobre quem veio antes dela. Pequenininha, magrinha, teve trocentos filhos, com o que eu imagino, tenha sido um senhor negro, já que meu vô, filho dela, era negro. Vó Joana era pobrezinha, morava numa casinha bem simples e fugiu da Bahia pros filhos pararem de apanhar do marido, que era pai deles. Vó Joana, te amo, mesmo que você tenha roubado minha cobertinha inúmeras vezes. Morreu quando eu era pequena, eu devia ter uns 7 ou 8 anos. Não achei registros fotográficos dela.
Avô paterno, vô Mané.
Meu vôvis chamava Manoel, obviamente, mas nunca vi ninguém no mundo chamandolho dessa forma. Minha vó chamava de "bem", simplesmente. Os neto tudo chamavam de vô Mané e é isso aí. Ele parecia o pai do cascão, sabe?
Mesmo corte de cabelo, mesmo bigodinho. Apenas a pele mais escura e carinha de vô, né?
Vôvis Mané nasceu em algum lugar da Bahia, não lembro exatamente onde. Também ninguém sabe dizer como foi que acabou indo parar no interior de São Paulo. Já perguntei tudo isso quinhentas mil vezes, mas também não sei onde ele conheceu minha avó. Não sei muito da história da família dele no geral. Sei que era sofrida. Morreu quando eu tinha 10 anos. Não sei se tinha curso superior, mas imagino que não.
Avó paterna, vó Alvira.
A gente sempre chamou de Elvira mesmo, mas o nome era grafado desse jeito porque meus bisavóvis eram italianos, importados diretamente da Itália. O sobrenome LINDO é meu maior recalque, já que meu pai não passou pra minha geração. Não sei quantos irmãos ela teve, só conheci minha tia-avó Palmira, que eu amava muito muito muito muito muito mesmo. Não sei se chorei mais quando morreu vó Elvira ou tia Palmira. Vóvis morreu em 2004 e tia Palmira um pouco depois. As duas torciam pro PARMERA, tinham muito sotaque italiano, eram braaaaancas até não poder mais. Minha avó tinha o olho bem azulzinho. O cabelo tinha sido castanho, mas nunca vi. Só vi branquinho. Siapaxonô pelo baiano e aprendeu a cozinhar sarapatel, rabada, feijoada. Melhor comida do mundo a da minha vó (com exceção dessas coisa aí, que eu não comia nem amarrada). Não estudou quase nada e sabia escrever muito pouquinho. Receita tudo de cabeça, mermão.
Juntos, meus avós tiveram 13 filhos. Doze biológicos e uma adotiva. Da mais velha até o mais novo, tem muitos anos de diferença. Meu pai é o penúltimo e praticamente todos os meus primos são mais velhos que eu, alguns têm NETOS. A maioria deles nasceu com a pele BEM morena, todo mundo de olho escuro, menos a filha adotiva, que é a cara da minha vó hahahaha. Na verdade, dos filhos biológicos só 8 sobreviveram, e desses, tudo ~moreninho~.
Quando meu vô morreu, minha vó murchou. A gente acha que não morreu imediatamente em seguida, porque tinha um filho de quem sentia necessidade de cuidar. Quando morreu, não tinha razão nenhuma, de modos que eu acho que foi de tristeza.
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Quando meu vô morreu, minha vó murchou. A gente acha que não morreu imediatamente em seguida, porque tinha um filho de quem sentia necessidade de cuidar. Quando morreu, não tinha razão nenhuma, de modos que eu acho que foi de tristeza.
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Eu achava que meus avós não eram ricos (apesar de nunca ter achado que eram pobres), mas meu vô tinha carro, casa pra caber esse povo todo, comida farta, móveis bonitos, roupa nova, etc etc etc. Acho que se não fosse o fato de ter ONZE PESSOAS pra sustentar com o salário de uma só, seriam bem ricos sim, hein? Num sobrou pra acumular herança, né? Mas todo mundo estudou (a maioria até o ensino médio), não teve ninguém que precisou sair da escola pra trabalhar. Quem não casou ou não quis sair de casa, morou com eles até o fim, sem crise. Inclusive um dos filhos casou com uma pessoa do mesmo sexo e NUNCA me pareceu absurdo, porque meus avós levaram numa boa, meus tios também, meus pais também. Eu e meus irmãos podíamos visitar a casa e as pessoas, eles visitavam nossa casa e eu só me dei conta que aquilo era um "caso raro" um tempinho atrás. Classifico a história toda como um caso de sucesso, ainda mais pra quem saiu do interior da Bahia e da Itália sem nada, nos anos 60 e 70.
Meu pai, chamado carinhosamente de GORDINHO, embora seja uma linha e mais leve do que eu.
quem vou morrer se souberem que publiquei isso?
Como é possível perceber por essa fotinho, meu papai nasceu, como direi, com melaninas muito ativas, cabelo de cachinho, olho castanho, essas coisas. Existe uma lenda que a família fazia fila no ferro de passar roupa, pra tacar no cabelinho. Babai nasceu no interior de SP, penúltimo numa carreira sem fim de filho. Era muito bem educado, junto com seus irmões, era conhecido como IRMÃOS METRALHA. Babai era o bocó da turma, o tonto que vai junto, se borra e se ferra. Grazadeus, porque hoje é o filho de maior sucesso. Filho de nordestino, trocentos irmãos, teve que estudar com mulher e filha pra sustentar, se ferrou muito na vida, já que meu vô não tinha como sustentar marmanjo casado e multiplicado. Fez faculdade só depois de casado e com filhos e hoje tá aí comprando Dudalina, né? PARECE QUE O JOGO VIROU MESMO, KIRIDINHA.
Bisavó Materna, mãe da mãe da mãe, vó Chica.
Vó Francisca, de quem só tenho uma informação genética: a família veio da Holanda. Quantas gerações antes, nem ideia, mas com certeza poucas. Metade dos sobrinhos dela (ainda falando só dos que eu vi com meus próprios olhos) era absolutamente ruiva, com pele alaranjada e sardas. Zezinho, um dos primos da minha mãe, era de um vermelho-ponto-de-referência. Ele devia ficar irritado, porque eu encarava loucamente quando tava por perto. Achava tudo lindo no Zezinho, embora ele fosse muito feio.
Vó Chica era braaanca de olho azul, uma coisa linda. Há boatos de que tinha a cara ingoal a minha quando xóvem. Nunca vi fotos suficientes pra comprovar. Morreu em 2004 ou 2005, não lembro bem. Casou com 16 anos, como era o costuminho da época, sem estudar muito.
Bisavô Materno, pai da mãe da mãe, vô Tonho.
Antonio Benedito era mineiro, de uma cidade que já se chamou Ayuruoca, mas hoje é Aiuruoca mesmo. Eu sempre amei o nome dessa cidade. Não se sabe dos antepassados dele, mas também tem as vibe de ser brasileiro desde sempre. Cabelo castanho, olho castanho, pele cor de oliva, coisa e tal. Sei que tinha ~negócio próprio~, uma vendinha no interior de SP (como esse povo todo foi parar no interior de SP é um mistério pra mim). Era carpinteiro por hobby e fazia os objetos de madeira MAIS INCRÍVEIS do mundo. Era incrível ver alguém pedindo "vô, faz isso?" e ele fazia. Minha mãe, que é engenheira, tem uma maleta de canetas nanquim feita por ele, que é sensacional. Também rolou uma prancheta e um banco personalizados, que vivem até hoje. Eu acho que poderia ser rico vendendo artesanato, mas não foi assim que a história se desenrolou. Morreu um pouco depois da minha bisavó e eu diria que foi de tristeza e solidão.
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Os dois tiveram apenas duas filhas, ó que glória? As duas morenas, de olhos castanhos e pele cor de oliva. Minha vó é a mais nova. A mais velha teve 4 filhos, três bem morenos e um bem branquinho, de olho claro. Mais uma filha adotiva. Morreu de câncer no meio do processo de adoção da filha mais nova e pediu pra que a enfermeira (e freira) que cuidava dela cuidasse da criança e do marido. Pois a enfermeira se casou com meu tio-avô e teve ainda mais dois filhos (hahahaha, melhor história), com a pele bem morena, mas como de índios. A gente chama todo mundo de primo e eu chamo a mãe deles de tia e tá tudo certo.
Avó materna, vó Janir.
Minha vóvis, que nasceu com cabelinhos e olhos castanhos e pele cor de oliva já tem a carinha bem brasileira mesmo. É daquelas com tronco pequenininho e quadril grandão, embora bem magrinha. Um cabelón com cachos soltos, que vivia com aqueles bumps dos anos 60, ela tem as melhores fotos. Pensou em ser freira, entrou pro convento, saiu, achou meu vô, siapaxonaram em três encontros e grazadeus casaram, ou eu não estaria aqui. Vóvis foi a primeira mulher - que eu saiba - a fazer faculdade na família. GRANDE VÓ!!1111 Acabou trabalhando muito pouco como professora, mas eu não quero nem saber, de uma linhagem de trabalhadores com pouca escolaridade, ela.fez.faculdade.nos.anos.sessenta. YOU GO, VÓ.
Avô materno, vô Octávio.
Não sabemos muito sobre a linhagem do vovô, mas sabemos que em algum ponto, a família se formou entre a Itália e a Espanha e o sobrenome original era Negronni. Quando chegou no Brasil, esse povo foi se misturando com famílias indígenas e minha bisavó, de acordo com relatos, tinha aquela cara BEM de índia mesmo, pele cor de canela e cabelo liiiiiso. Vó Rita, essa. O marido dela, vô Tonico, era o italiano de ascendência, brasileiro de nascença. Vôvis nasceu com o cabelo lisinho, bem escuro, olhos escuros e a pele cor de oliva. Tinha trocentos mil irmãos, não sei se conheci todos, mas conheci muitos. Adivinha onde tava tudo espalhado? Isso mesmo, no maravilhoso interior de SP. Meu vô veio de família pobrezinha, teve que começar a trabalhar bem cedo. Acabou deixando tudo pra depois, inclusive casando com 33 anos, encalhadíssimo na época. Minha avó, no dia do casamento, tinha 19. Até onde eu sei, ele fez a faculdade depois de casado, GRAAAANDE VÔ, se tornou funcionário público e viu a vida mudar.
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Os dois tiveram 4 filhas, das quais apenas 3 sobreviveram. Minha mãe é a segunda, mas configura como mais velha, já que foi a nascida antes dela que morreu. O mais maravilhoso é que as duas nasceram no mesmíssimo dia, com um ano de diferença. Minha família curte muito história de novela na vida real. Meu avô conseguiu dar uma vida bem tranquila pras meninas, graças a muito esforço e noites mal dormidas, enquanto conciliava família, trabalho e faculdade.
É daí que vem o gênio suave que impera nas gerações seguintes. Vô Óc teve apenas FILHAS, todas elas usam o sobrenome dele como forma de identificação. Assim como todos os 7 netos. Acho o máximo, especialmente porque eles acharam que o sobrenome ia morrer.
Mamai, chamada carinhosamente de "minha senhora", porque eu praticamente só chamo desse jeito mesmo.
Mamai também nasceu com lindas pele bronzeada, zóio cor de mel, cabelo preto, mas tão preto, que chegava a ter reflexo branco quando a luz batia. Só conseguiu fazer faculdade depois de casada e com filhos, mas foi a primeira mestre da família YOU GO MAMAINNNN!!11 Trabalha como se não houvesse amanhã, enlouquece a família, estabelece padrões impossíveis de alcançar e, consequentemente, é a melhor mãe do mundo.
MASSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSS
Em 1979, quando os dois jovens mancebos resolveram se casar, eles mesmos, enquanto pessoas, não tinham onde cair morto. Os papaizinhos tinham lá suas vidas razoavelmente estáveis (os pais da minha mãe ainda tinham duas filhas NA ESCOLA e os pais do meu pai ainda sustentavam uns 5 dos 9 filhos), de modos que o negócio foi mais ou menos o seguinte: boa sorte.
Pra ajudar, meu pai tinha conseguido um trabalho em São Paulo (a capital, não mais o interior) e minha mãe se mudou pra lá com ele. E foi nesse momento mágico que a família se estabeleceu na periferia (ai que rica? minha mãe num deixa chamar de favela?) da zona sul. Com a incrível façanha de produzir uma quiança - no caso eu - NOVE MESES E DOISH DIASH depois do casamento, e por produzir eu quero dizer que eu estava pronta, nascida e chorando nessa data, tava lá os três pobre vivendo à base de feijão em mortandela (talvez essa seja a razão de eu não comer essas coisas ~agora que sou rica~). Hoje em dia, o lugar que a gente morava é um lugar onde provavelmente a gente não passaria nem por um decreto, daqueles que se a mãe sabe que você foi, te deixa de castigo, isso se você voltar intacto. Outro dia fomos olhar no google maps e é bem tensa a situação. Não era naquele tempo, sejemo franco. Eu tenho algumas lembranças do lugar e era até simpático. Talvez os dois assaltos lendários (não passa um mês inteiro sem minha mãe falar "ah, eu tinha uma coisa x, mas foi naquele assalto") contrariem um pouco essas memórias, aquele momentinho de alegria com meus pais com armas na cabeça, tendo que entregar o carro e tudo que tava dentro (e tinha praticamente a vida deles inteira lá dentro), mas sabe como é, né? Meus pais não apenas não curtem a ideia de que já moraram na favela (e não foi pouco), como têm aquela tendência humana de romantizar o passado. Especialmente um passado de recém casados. Eu compreendo.
Meu lindo babai, muito competente, acabou sendo bem sucedido na sua vida profissional, de modos que a gente mudou dali pra um lugar melhorzinho, depois outro um pouco melhor que o anterior, até que a gente subiu muito de nível (ryzo) e foi pra beiradinha do Morumbi. Num éééé o morumbiiii que tem nas suas cabeça, mas ainda assim um lugar belíssimo, condomínio de condomínios, infraestrutura pra não precisar sair do bairro nunca, área verde com lago, patinhos (tá tudo lá até hoje, eu nunca lembro de fotografar os pato tudo quando vou pra lá porque tô sempre com pressa). Inclusive, meus pais resolveram se mudar quando decidiram ter o segundo filho. Por isso fomos pra esse lugar com parquinho, piscina, quadra, espaço pra andar de bicicleta, correr, conhecer um bilhão de crianças e etc.
A essa altura, eu estava estudando numa das escolas mais caras de São Paulo (parece que o jogo virou mesmo kiridinha etc), a gente fazia muitas viagens, ia no McDonald's, ganhava brinquedos Estrela no natal e tomava Coca-Cola em todo jantar. Pode não parecer grandes coisa pra você, mas no meu condomínio era motivo pra comoção. E pra nossa família também era.
Até aí, meus pais tinham duas filhas.
Eu, que nasci com o cabelo PRETO e olhinhos azuis-que-viraram-verdes, a pele até clarinha, mas que de repente ficou num tom de marrom sem precedentes e minha irmã, que nasceu transparente de tão branca, olhos azuis que viraram um verde diferente do meu e o cabelo LOIRO, que foi ficando castanho claro ao longo do tempo.
Quando eu tinha 12 anos, fui fazer minha primeira carteira de identidade. Naquele tempo (ou naquele lugar), a gente entrava sem a mãe pra colocar a digital no papel e responder algumas perguntas, entre elas a cor da pele. O moço foi preenchendo conforme olhava pra mim e quando chegou nesse item, respondeu sem pestanejar "parda". Eu gritei pra minha mãe, só porque nunca tinha ouvido aquela palavra na vida, e perguntei o que era parda. Minha mãe veio até a gente, viu o questionário e falou pro moço que tava errado, que minha cor era branca. Antes que os defensores da diversidade venham aqui me usar de exemplo, minha mãe só disse isso porque sabia que a) minha pele ~natural~ é branca mesmo e b) eu pareceria criminosa nos meses em que não tem muito sol. E ainda bem que ela fez isso, porque hoje em dia eu raramente me bronzeio (porque além de descobrir que odeio sol, rola uma alergia nervosa), então imagina pra explicar aquele parda no cadastro? Em tempos de cota, cê reflita que desonesto seria.
Mas já houve um tempo na minha vida em que as pessoas acreditaram que eu era parda.
Poucas vezes no mundo as pessoas acreditam que minha irmã seja minha irmã. E don't get me started com o meu irmão, não chegamo lá ainda. E ninguém nunca acredita que eu seja filha dos meus pais. Minha irmã lembra minha mãe, então as pessoas acham que ela tem um pai nórdico quando veem as duas (hahahaha), mas quando é comigo, a revelação sempre vem seguida de "sua filhaaaaa?".
E até outro dia eu nunca tinha reparado, mas quando as pessoas me veem com meu pai E minha mãe, elas sempre perguntam se eu sou mesmo filha dos dois. Eu achava que era culpa de não parecer nem um pouco com eles. Até que no começo deste ano alguém disse "seus pais têm a pele escura demais pra parecerem seus pais" e foi só aí que eu me toquei a razão de ninguém intuir automaticamente a relação entre a gente. Eu passei a vida escutando - nesse momento, quando me veem com pai e mãe - "uééééééé, mas da onde essa brancura e esse olho claro???". Amigos, aconselho estudar um pouco mais de genética. Num posso negar que deve ser assustador ir conhecendo minha família e se dar conta que rola um caso tenso de genes recessivos na minha pessoa, mas o que raios eu posso fazer? Isso mesmo: nada.
Bom, aí chegou o terceiro filho e eu mudei da escola de rica pra uma escola maizomeninho (com aulas em italiano - além da aula de italiano, tinha matemática em italiano, SOCIOLOGIA em italiano, informática em italiano, em 1991, molto moderno. Até hoje eu falo um italianinho razoável, mas NEM ADIANTA QUE NÃO VOU FALAR NA SUA FRENTE. Aí o terceiro filho foi crescendo e fuén na minha escola pública, onde descobri que a vida era horrível. Além disso, cabô mamai levando de carro, era de busão que tinha que ir, se vira, vira home.
Daí pro interior, escola ruim, passa fome, mora mal, ganha bolsa, volta pra escola de rica, não tem dinheiro nem pro lanche, dá problema na bolsa, volta pra escola normal, passa fome, não tem roupa nova, não tem festa, não tem nada.
Rolou uma época trevas mesmo. Era arroz, feijão, pão, leite e fim. Era de casa pra escola, da escola pra casa. Felizmente eu era a melhor aluna do lugar, de modos que pagaram todos os meus vestibulares, senão eu tava até hoje sem faculdade. No fim das contas, meu vô (Octávio) chegou e falou uma coisa com a qual eu concordo: faculdade pública é pra quem não pode pagar. Eu posso pagar a sua, você vai pra uma particular.
Parece pedante? Parece. Cê lembra que ele só estudou depois de adulto porque não tinha dinheiro? Pois é. Cê ainda acha que ele tá errado? Eu não acho. Ainda me explicou que eu veria a diferença de estrutura, biblioteca, salas, prédio, professores e viveria sem o fantasma da greve. Como funcionária e mestranda de instituição pública federal, eu vos digo: ele tava certíssimo e foi o melhor presente que me deu. Minha faculdade tem conceito melhor que a UFPR (midesgupi, ssdd), e tinha já quando eu me formei. Até hoje quero chorar limão quando chego numa sala de aula caindo aos pedaços, seja pra trabalhar, seja pra estudar.
Fiz concurso público contra minha vontade (não quero falar sobre isso) e tenho uma vida razoável. Moro com meus pais por vontade própria e, apesar de não ter dinheiro sobrando, nunca mais tive que me preocupar se teria xampu durante o mês inteiro, o que é muito reconfortante. E tudo isso só porque pelo menos 3 gerações antes da minha se mataram a vida inteira pra uma vida melhor.
A Prole a que pertenço
Aproveito este momento pra dizer que pais são genitores e avós que são progenitores, de modo que ninguém é filho de progenitor nenhum, pra ver se vocês aprendem.
Numa época em que eu ainda usava minhas melaninas.
Eu juro que é meu irmão nessa foto e que a gente nasceu do mesmo pai com a mesma mãe e eu tô aqui procurando muito loucamente uma foto dele de hoje em dia procês ver o que virou.
Todo mundo formado em instituições de qualidade, empregado, bem vestido, alimentado e feliz.
O que eu quero com esse post, além de expor a família inteira e ouvir gente falando "menina, não coloca foto na internet, é perigoso"? Dizer que quem vê cara não vê local de nascimento, transformação genética, ascendência sócio-econômica, esforço pessoal. Meus pais se mataram pra gente ter uma vida ok hoje em dia, assim como os pais deles antes deles (ênfase no ok, que é bem menos que rico ou confortável), mas ontem mesmo minha mãe tava falando de uma história antiga (eu devia ter uns 16 anos na época) e perguntou "mas porque a gente não deu um jeitinho pra pagar aquilo eu não entendo". E eu que tive que pegar a âncora e falar "porque a gente não tinha dinheiro nem pra comer, então não ocorria 'dar um jeitinho' pra gastar com o que não fosse absolutamente essencial". Vi a cara tristinha que ela ficou e fiz uma prece interior pra agradecer que ela nem se lembrasse disso e hoje visse como "dar um jeitinho".
De qualquer fora, meu recado pros amiguinhos é: vamo guardar o julgamento? Não é porque a pessoa defende ideias diferentes da sua que ela é privilegiada, filhinha de papai, herdeira de mão beijada. Outro dia vi pessoas esbravejando sobre a dificuldade de ser "branca de olho verde". Nem era comigo, sabe? Mas se eu tivesse permanecido na favela? Estudado pouco?Preguiça de trabalhar dificuldade de arranjar emprego? Teria o mesmo peso a cor da minha pele?
E se eu ainda tomasse sol regularmente e as pessoas VISSEM minha ascendência negra? E se minha pele fosse da cor da pele do meu irmão? E se meu olho fosse preto? Sério que é isso que vocês validam na hora de aceitar a opinião do amiguinho ou na hora de argumentar com eles?
Veja bem, não tô falando de diferença social, não estou relativizando racismo ou desigualdades, PELO AMOR DEDELS, não tô falando disso.
Tô falando daquela classe média sofrida que mora no facebook/twitter/instagram, que tem smartphone (tanto faz se comprado à vista, ou como o meu, em duzentas prestações), que tem emprego (tanto faz se ótimo ou uma porcaria pra não morrer de fome), que estudou no mínimo até o curso superior (tanto faz se ensino à distância ou numa business school, como eu), que reclama que não sabe fazer compra e cozinhar arroz, porque a mãe que sempre fez isso.
Sabe?
O que eu mais vi foi gente invalidando o discurso do amiguinho porque pobre não pode votar na direita ou porque rico não pode votar na esquerda e ai, gente, sério, vocês são tudo um monte de babaca e é por isso que eu não discuto e não falo da minha vida pra vocês regularmente, porque quem vai acreditar que uma branca de olho verde precisou se ferrar muito pra ter uma vida estável, né? Vão cagar.
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Fiquem agora com lindas fotos da minha família pra entender que todo mundo é o que é e você não tem nada a ver com isso.
Bgs miu (e aproveitem os próximos 4 anos pra se educar)
Bisavó Materna, mãe da mãe da mãe, vó Chica.
Chica não tem fota sozinha, muito menos sorridente
Vó Francisca, de quem só tenho uma informação genética: a família veio da Holanda. Quantas gerações antes, nem ideia, mas com certeza poucas. Metade dos sobrinhos dela (ainda falando só dos que eu vi com meus próprios olhos) era absolutamente ruiva, com pele alaranjada e sardas. Zezinho, um dos primos da minha mãe, era de um vermelho-ponto-de-referência. Ele devia ficar irritado, porque eu encarava loucamente quando tava por perto. Achava tudo lindo no Zezinho, embora ele fosse muito feio.
Vó Chica era braaanca de olho azul, uma coisa linda. Há boatos de que tinha a cara ingoal a minha quando xóvem. Nunca vi fotos suficientes pra comprovar. Morreu em 2004 ou 2005, não lembro bem. Casou com 16 anos, como era o costuminho da época, sem estudar muito.
Bisavô Materno, pai da mãe da mãe, vô Tonho.
Antonio Benedito era mineiro, de uma cidade que já se chamou Ayuruoca, mas hoje é Aiuruoca mesmo. Eu sempre amei o nome dessa cidade. Não se sabe dos antepassados dele, mas também tem as vibe de ser brasileiro desde sempre. Cabelo castanho, olho castanho, pele cor de oliva, coisa e tal. Sei que tinha ~negócio próprio~, uma vendinha no interior de SP (como esse povo todo foi parar no interior de SP é um mistério pra mim). Era carpinteiro por hobby e fazia os objetos de madeira MAIS INCRÍVEIS do mundo. Era incrível ver alguém pedindo "vô, faz isso?" e ele fazia. Minha mãe, que é engenheira, tem uma maleta de canetas nanquim feita por ele, que é sensacional. Também rolou uma prancheta e um banco personalizados, que vivem até hoje. Eu acho que poderia ser rico vendendo artesanato, mas não foi assim que a história se desenrolou. Morreu um pouco depois da minha bisavó e eu diria que foi de tristeza e solidão.
vô Tonho, eu e meu desastre capilar de 2005
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Os dois tiveram apenas duas filhas, ó que glória? As duas morenas, de olhos castanhos e pele cor de oliva. Minha vó é a mais nova. A mais velha teve 4 filhos, três bem morenos e um bem branquinho, de olho claro. Mais uma filha adotiva. Morreu de câncer no meio do processo de adoção da filha mais nova e pediu pra que a enfermeira (e freira) que cuidava dela cuidasse da criança e do marido. Pois a enfermeira se casou com meu tio-avô e teve ainda mais dois filhos (hahahaha, melhor história), com a pele bem morena, mas como de índios. A gente chama todo mundo de primo e eu chamo a mãe deles de tia e tá tudo certo.
reparem a beleza da minha vó, a da extrema esquerda
Avó materna, vó Janir.
Minha vóvis, que nasceu com cabelinhos e olhos castanhos e pele cor de oliva já tem a carinha bem brasileira mesmo. É daquelas com tronco pequenininho e quadril grandão, embora bem magrinha. Um cabelón com cachos soltos, que vivia com aqueles bumps dos anos 60, ela tem as melhores fotos. Pensou em ser freira, entrou pro convento, saiu, achou meu vô, siapaxonaram em três encontros e grazadeus casaram, ou eu não estaria aqui. Vóvis foi a primeira mulher - que eu saiba - a fazer faculdade na família. GRANDE VÓ!!1111 Acabou trabalhando muito pouco como professora, mas eu não quero nem saber, de uma linhagem de trabalhadores com pouca escolaridade, ela.fez.faculdade.nos.anos.sessenta. YOU GO, VÓ.
Avô materno, vô Octávio.
Não sabemos muito sobre a linhagem do vovô, mas sabemos que em algum ponto, a família se formou entre a Itália e a Espanha e o sobrenome original era Negronni. Quando chegou no Brasil, esse povo foi se misturando com famílias indígenas e minha bisavó, de acordo com relatos, tinha aquela cara BEM de índia mesmo, pele cor de canela e cabelo liiiiiso. Vó Rita, essa. O marido dela, vô Tonico, era o italiano de ascendência, brasileiro de nascença. Vôvis nasceu com o cabelo lisinho, bem escuro, olhos escuros e a pele cor de oliva. Tinha trocentos mil irmãos, não sei se conheci todos, mas conheci muitos. Adivinha onde tava tudo espalhado? Isso mesmo, no maravilhoso interior de SP. Meu vô veio de família pobrezinha, teve que começar a trabalhar bem cedo. Acabou deixando tudo pra depois, inclusive casando com 33 anos, encalhadíssimo na época. Minha avó, no dia do casamento, tinha 19. Até onde eu sei, ele fez a faculdade depois de casado, GRAAAANDE VÔ, se tornou funcionário público e viu a vida mudar.
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melhor.foto.do.mundo.: minha tia mais nova, vôvis e vóvis
Os dois tiveram 4 filhas, das quais apenas 3 sobreviveram. Minha mãe é a segunda, mas configura como mais velha, já que foi a nascida antes dela que morreu. O mais maravilhoso é que as duas nasceram no mesmíssimo dia, com um ano de diferença. Minha família curte muito história de novela na vida real. Meu avô conseguiu dar uma vida bem tranquila pras meninas, graças a muito esforço e noites mal dormidas, enquanto conciliava família, trabalho e faculdade.
É daí que vem o gênio suave que impera nas gerações seguintes. Vô Óc teve apenas FILHAS, todas elas usam o sobrenome dele como forma de identificação. Assim como todos os 7 netos. Acho o máximo, especialmente porque eles acharam que o sobrenome ia morrer.
Mamai, chamada carinhosamente de "minha senhora", porque eu praticamente só chamo desse jeito mesmo.
Mamai também nasceu com lindas pele bronzeada, zóio cor de mel, cabelo preto, mas tão preto, que chegava a ter reflexo branco quando a luz batia. Só conseguiu fazer faculdade depois de casada e com filhos, mas foi a primeira mestre da família YOU GO MAMAINNNN!!11 Trabalha como se não houvesse amanhã, enlouquece a família, estabelece padrões impossíveis de alcançar e, consequentemente, é a melhor mãe do mundo.
MASSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSS
Em 1979, quando os dois jovens mancebos resolveram se casar, eles mesmos, enquanto pessoas, não tinham onde cair morto. Os papaizinhos tinham lá suas vidas razoavelmente estáveis (os pais da minha mãe ainda tinham duas filhas NA ESCOLA e os pais do meu pai ainda sustentavam uns 5 dos 9 filhos), de modos que o negócio foi mais ou menos o seguinte: boa sorte.
Pra ajudar, meu pai tinha conseguido um trabalho em São Paulo (a capital, não mais o interior) e minha mãe se mudou pra lá com ele. E foi nesse momento mágico que a família se estabeleceu na periferia (ai que rica? minha mãe num deixa chamar de favela?) da zona sul. Com a incrível façanha de produzir uma quiança - no caso eu - NOVE MESES E DOISH DIASH depois do casamento, e por produzir eu quero dizer que eu estava pronta, nascida e chorando nessa data, tava lá os três pobre vivendo à base de feijão em mortandela (talvez essa seja a razão de eu não comer essas coisas ~agora que sou rica~). Hoje em dia, o lugar que a gente morava é um lugar onde provavelmente a gente não passaria nem por um decreto, daqueles que se a mãe sabe que você foi, te deixa de castigo, isso se você voltar intacto. Outro dia fomos olhar no google maps e é bem tensa a situação. Não era naquele tempo, sejemo franco. Eu tenho algumas lembranças do lugar e era até simpático. Talvez os dois assaltos lendários (não passa um mês inteiro sem minha mãe falar "ah, eu tinha uma coisa x, mas foi naquele assalto") contrariem um pouco essas memórias, aquele momentinho de alegria com meus pais com armas na cabeça, tendo que entregar o carro e tudo que tava dentro (e tinha praticamente a vida deles inteira lá dentro), mas sabe como é, né? Meus pais não apenas não curtem a ideia de que já moraram na favela (e não foi pouco), como têm aquela tendência humana de romantizar o passado. Especialmente um passado de recém casados. Eu compreendo.
já sabia o futuro de DO LAR
favelada porém artista
Meu lindo babai, muito competente, acabou sendo bem sucedido na sua vida profissional, de modos que a gente mudou dali pra um lugar melhorzinho, depois outro um pouco melhor que o anterior, até que a gente subiu muito de nível (ryzo) e foi pra beiradinha do Morumbi. Num éééé o morumbiiii que tem nas suas cabeça, mas ainda assim um lugar belíssimo, condomínio de condomínios, infraestrutura pra não precisar sair do bairro nunca, área verde com lago, patinhos (tá tudo lá até hoje, eu nunca lembro de fotografar os pato tudo quando vou pra lá porque tô sempre com pressa). Inclusive, meus pais resolveram se mudar quando decidiram ter o segundo filho. Por isso fomos pra esse lugar com parquinho, piscina, quadra, espaço pra andar de bicicleta, correr, conhecer um bilhão de crianças e etc.
A essa altura, eu estava estudando numa das escolas mais caras de São Paulo (parece que o jogo virou mesmo kiridinha etc), a gente fazia muitas viagens, ia no McDonald's, ganhava brinquedos Estrela no natal e tomava Coca-Cola em todo jantar. Pode não parecer grandes coisa pra você, mas no meu condomínio era motivo pra comoção. E pra nossa família também era.
a caminho do rildjans, pra viagem que nos levaria à casa da Xuxa
Até aí, meus pais tinham duas filhas.
Eu, que nasci com o cabelo PRETO e olhinhos azuis-que-viraram-verdes, a pele até clarinha, mas que de repente ficou num tom de marrom sem precedentes e minha irmã, que nasceu transparente de tão branca, olhos azuis que viraram um verde diferente do meu e o cabelo LOIRO, que foi ficando castanho claro ao longo do tempo.
Quando eu tinha 12 anos, fui fazer minha primeira carteira de identidade. Naquele tempo (ou naquele lugar), a gente entrava sem a mãe pra colocar a digital no papel e responder algumas perguntas, entre elas a cor da pele. O moço foi preenchendo conforme olhava pra mim e quando chegou nesse item, respondeu sem pestanejar "parda". Eu gritei pra minha mãe, só porque nunca tinha ouvido aquela palavra na vida, e perguntei o que era parda. Minha mãe veio até a gente, viu o questionário e falou pro moço que tava errado, que minha cor era branca. Antes que os defensores da diversidade venham aqui me usar de exemplo, minha mãe só disse isso porque sabia que a) minha pele ~natural~ é branca mesmo e b) eu pareceria criminosa nos meses em que não tem muito sol. E ainda bem que ela fez isso, porque hoje em dia eu raramente me bronzeio (porque além de descobrir que odeio sol, rola uma alergia nervosa), então imagina pra explicar aquele parda no cadastro? Em tempos de cota, cê reflita que desonesto seria.
Mas já houve um tempo na minha vida em que as pessoas acreditaram que eu era parda.
realmente não compreendo o motivo?
Poucas vezes no mundo as pessoas acreditam que minha irmã seja minha irmã. E don't get me started com o meu irmão, não chegamo lá ainda. E ninguém nunca acredita que eu seja filha dos meus pais. Minha irmã lembra minha mãe, então as pessoas acham que ela tem um pai nórdico quando veem as duas (hahahaha), mas quando é comigo, a revelação sempre vem seguida de "sua filhaaaaa?".
E até outro dia eu nunca tinha reparado, mas quando as pessoas me veem com meu pai E minha mãe, elas sempre perguntam se eu sou mesmo filha dos dois. Eu achava que era culpa de não parecer nem um pouco com eles. Até que no começo deste ano alguém disse "seus pais têm a pele escura demais pra parecerem seus pais" e foi só aí que eu me toquei a razão de ninguém intuir automaticamente a relação entre a gente. Eu passei a vida escutando - nesse momento, quando me veem com pai e mãe - "uééééééé, mas da onde essa brancura e esse olho claro???". Amigos, aconselho estudar um pouco mais de genética. Num posso negar que deve ser assustador ir conhecendo minha família e se dar conta que rola um caso tenso de genes recessivos na minha pessoa, mas o que raios eu posso fazer? Isso mesmo: nada.
Bom, aí chegou o terceiro filho e eu mudei da escola de rica pra uma escola maizomeninho (com aulas em italiano - além da aula de italiano, tinha matemática em italiano, SOCIOLOGIA em italiano, informática em italiano, em 1991, molto moderno. Até hoje eu falo um italianinho razoável, mas NEM ADIANTA QUE NÃO VOU FALAR NA SUA FRENTE. Aí o terceiro filho foi crescendo e fuén na minha escola pública, onde descobri que a vida era horrível. Além disso, cabô mamai levando de carro, era de busão que tinha que ir, se vira, vira home.
Daí pro interior, escola ruim, passa fome, mora mal, ganha bolsa, volta pra escola de rica, não tem dinheiro nem pro lanche, dá problema na bolsa, volta pra escola normal, passa fome, não tem roupa nova, não tem festa, não tem nada.
Rolou uma época trevas mesmo. Era arroz, feijão, pão, leite e fim. Era de casa pra escola, da escola pra casa. Felizmente eu era a melhor aluna do lugar, de modos que pagaram todos os meus vestibulares, senão eu tava até hoje sem faculdade. No fim das contas, meu vô (Octávio) chegou e falou uma coisa com a qual eu concordo: faculdade pública é pra quem não pode pagar. Eu posso pagar a sua, você vai pra uma particular.
Parece pedante? Parece. Cê lembra que ele só estudou depois de adulto porque não tinha dinheiro? Pois é. Cê ainda acha que ele tá errado? Eu não acho. Ainda me explicou que eu veria a diferença de estrutura, biblioteca, salas, prédio, professores e viveria sem o fantasma da greve. Como funcionária e mestranda de instituição pública federal, eu vos digo: ele tava certíssimo e foi o melhor presente que me deu. Minha faculdade tem conceito melhor que a UFPR (midesgupi, ssdd), e tinha já quando eu me formei. Até hoje quero chorar limão quando chego numa sala de aula caindo aos pedaços, seja pra trabalhar, seja pra estudar.
Fiz concurso público contra minha vontade (não quero falar sobre isso) e tenho uma vida razoável. Moro com meus pais por vontade própria e, apesar de não ter dinheiro sobrando, nunca mais tive que me preocupar se teria xampu durante o mês inteiro, o que é muito reconfortante. E tudo isso só porque pelo menos 3 gerações antes da minha se mataram a vida inteira pra uma vida melhor.
A Prole a que pertenço
Aproveito este momento pra dizer que pais são genitores e avós que são progenitores, de modo que ninguém é filho de progenitor nenhum, pra ver se vocês aprendem.
foto salva no computador com o nome: prole étnica
Numa época em que eu ainda usava minhas melaninas.
erbãos
Eu juro que é meu irmão nessa foto e que a gente nasceu do mesmo pai com a mesma mãe e eu tô aqui procurando muito loucamente uma foto dele de hoje em dia procês ver o que virou.
01 foto recente (não) ou a única foto em que vocês vão me ver usando aparelho
Todo mundo formado em instituições de qualidade, empregado, bem vestido, alimentado e feliz.
O que eu quero com esse post, além de expor a família inteira e ouvir gente falando "menina, não coloca foto na internet, é perigoso"? Dizer que quem vê cara não vê local de nascimento, transformação genética, ascendência sócio-econômica, esforço pessoal. Meus pais se mataram pra gente ter uma vida ok hoje em dia, assim como os pais deles antes deles (ênfase no ok, que é bem menos que rico ou confortável), mas ontem mesmo minha mãe tava falando de uma história antiga (eu devia ter uns 16 anos na época) e perguntou "mas porque a gente não deu um jeitinho pra pagar aquilo eu não entendo". E eu que tive que pegar a âncora e falar "porque a gente não tinha dinheiro nem pra comer, então não ocorria 'dar um jeitinho' pra gastar com o que não fosse absolutamente essencial". Vi a cara tristinha que ela ficou e fiz uma prece interior pra agradecer que ela nem se lembrasse disso e hoje visse como "dar um jeitinho".
De qualquer fora, meu recado pros amiguinhos é: vamo guardar o julgamento? Não é porque a pessoa defende ideias diferentes da sua que ela é privilegiada, filhinha de papai, herdeira de mão beijada. Outro dia vi pessoas esbravejando sobre a dificuldade de ser "branca de olho verde". Nem era comigo, sabe? Mas se eu tivesse permanecido na favela? Estudado pouco?
E se eu ainda tomasse sol regularmente e as pessoas VISSEM minha ascendência negra? E se minha pele fosse da cor da pele do meu irmão? E se meu olho fosse preto? Sério que é isso que vocês validam na hora de aceitar a opinião do amiguinho ou na hora de argumentar com eles?
Veja bem, não tô falando de diferença social, não estou relativizando racismo ou desigualdades, PELO AMOR DEDELS, não tô falando disso.
Tô falando daquela classe média sofrida que mora no facebook/twitter/instagram, que tem smartphone (tanto faz se comprado à vista, ou como o meu, em duzentas prestações), que tem emprego (tanto faz se ótimo ou uma porcaria pra não morrer de fome), que estudou no mínimo até o curso superior (tanto faz se ensino à distância ou numa business school, como eu), que reclama que não sabe fazer compra e cozinhar arroz, porque a mãe que sempre fez isso.
Sabe?
O que eu mais vi foi gente invalidando o discurso do amiguinho porque pobre não pode votar na direita ou porque rico não pode votar na esquerda e ai, gente, sério, vocês são tudo um monte de babaca e é por isso que eu não discuto e não falo da minha vida pra vocês regularmente, porque quem vai acreditar que uma branca de olho verde precisou se ferrar muito pra ter uma vida estável, né? Vão cagar.
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Fiquem agora com lindas fotos da minha família pra entender que todo mundo é o que é e você não tem nada a ver com isso.
Bgs miu (e aproveitem os próximos 4 anos pra se educar)
erbãs
erbões
papai e mamai
a geração anterior
os neto tudo da minha vó
FIM