quarta-feira, 15 de outubro de 2014

distribuindo energia elétrica só que não

vista privilegiada de dentro do meu quintal


Eu sigo alguns blogs de estrangeiros que moram no Brasil, de preferência que morem na mesma cidade que eu, porque eu gosto de saber a percepção dessas pessoas sobre o lugar, numa forma de dar valor pra esse cocô que a gente vive de vez em quando. Sei lá, acredito muito na grama mais verde do vizinho.

Li outro dia uma pessoa falando justamente de Curitiba, a alegria de viver num lugar que vai na contramão da evolução, tacando poste pra tudo que é lado, quando deveria mesmo estar enterrando a fiação. Cê vê, eu trabalho num campus super moderno, que não tem UM FIO pendurado e é do governo. 

Bom, então assim. Eu moro num bairro residencial, cheio de véio, de casinha, bem com aquelas cara de subúrbio americano, com o adicional de grades e cercas e elétricas. Quiqui a rede de distribuição de energia achou conveniente? Isso mesmo, fazer uma subestação aqui no meio. Não tem padaria no meio do bairro. Não tem farol. Não tem NADA ALÉM DE CASA E MATO. Aí me enfiam uma construção alaranjada (cor mais horrível do mundo), bem na frente da minha casa, horrível, atrapalhando o já prejudicado visual. 

No começo tava só feio. Até o dia que começaram a cavocar a rua toda, maior zona na calçada da minha casa e um grande mistério que viria a ser: super postes. Cê já viu um super poste ao vivo, meu amigo? Precisa dumas três pessoas pra abraçar a base dessa porcaria e vai até o infinito do céu de altura. Com um buraco no chão correspondente pra manter isso aí em pé.

Só que era muito intrigante, porque se a estação está na rua de cima, POR QUE RAIOS OS POSTES ESTÃO NA MINHA RUA? Jamais saberemos. É claro que todas as pessoas do mundo desta rua ligaram pra fazer essa pergunta e claro que mandaram a gente ir falar com o batman.

Beleza, botaram os postes aí num dia (mentira, levou mil dias). Depois começaram a aparecer aquelas argolinhas. Depois outra coisa, outra, outra. Até o dia que foram colocar os fios. E, como nada nessa vida é simples, pra colocar os benditos fios, precisava de desligamento programado de energia. POR.NOVE.HORAS.

Eu saio pro trabalho 10 minutos antes de chegar lá e precisava ir de carro naquele dia, mas a energia acabaria ANTES de eu sair de casa. De modos que tive que acordar meia hora mais cedo, fazer tudo correndo, botar o carro pra fora, terminar de fazer só o que fosse possível sem energia (nem beber água é possível, já que a água só sai das torneiras aqui com compressor), desligar as coisas das tomadas e etc. Um transtorno. Um pavor de acontecer alguma sobrecarga com meus bichinhos sozinhos em casa. Passei um dia super cocô, mas aceitei, que doía menos. 

O dia passou, minha geladeira teve sérios danos psicológicos no processo, mas o resto tava até que legal e funcionando. Passou uns 5 dias e... AVISO DE DESLIGAMENTO PROGRAMADO. Gente, queiso? De novo? Não, porque agora era por DEZ horas. 

Acorda mais cedo ainda, faz tudo mais correndo ainda, desliga disjuntor da casa principal, esquece casa anexa (mas pqp, nem moro lá, quem mora que devia ter amor pelos seus eletrodomestiquinhos), tira carro, acha chave do cadeado do portão de pedestre, chave do portão automático, sofre, entra em pânico, ora pra jesus permitir que eles acabem logo esse negócio.

Mas na outra semana vem outro aviso. E assim foi, quando lá pelo sexto, pegaram um dia que eu tinha folga no trabalho. """"""""Folga"""""""""". A greve tava comendo frouxa e um c e r t o  c a n d i d a t o a governador do Paraná foi me agredir na minha sala, de modos que fui ~aconselhada~ a não ir trabalhar no dia seguinte, porque podia, sei lá, morrer. ABAFA.

Bom, aí eu passei a manhã fora (não sabia que ficaria sem energias), vim pra casa bem tranquila, a energia tava lá ainda, botei a roupa pra lavar e... NÃO SAIU ÁGUA. Como na máquina de lavar não precisa compressor, eu já comecei a ficar neuvosar. Fui até o telefone pra ligar na companhia de água e... CABÔ ENERGIA. Meu telefone é Net, de modos que estava isolada o universo. Fuén.

Fiquei a tarde toda no sofá, lendo, ouvindo o trabalhador braçal pendurado no poste cantando música ruim e gritando por socorro depois de quatro horas que largaram ele lá. Será se tava de fralda? Será se fez xixi o poste abaixo? Prefiro não saber. 

Achei que o tormento tinha acabado. AHHAHAHAHAHAHAHAHHAHAHHADHJHHAJDHFDJFKS. Na noite da sexta-feira daquela semana, cansada, esgotada, destruída e cheia de roupa pra lavar, desmarquei todos os compromissos do mundo e fui pra casa com dois objetivos: tacar a roupa na máquina e dormir nas duas horas que ela levaria pra completar o processo.

Entrei em casa, olhei o celular - que tinha 23% de bateria - comi uma bisnaguinha, tirei a calça jeans e pus o fio dental, fui indo pra lavanderia e ZUIIIOOOOOOOOOOOOOINNN cabou a energia com um barulho medonho. Dei um grito de horror, tipo NÃÃÃÃÃÃO e fui tentar ligar pra companhia FUÉN QUE NÃO FUNCIONA TELEFONE. Do celular custa uma fortuna e eu não tinha bateria suficiente pra espera, tava nojenta e não podia tomar banho, sem banho não dá pra dormir, nasceu uma crise de choro desesperado e etc etc etc. A energia ficou desligada por mais de CINCO FUCKING HORAS. Teve um momento em que o desespero se abateu, peguei meu cartão de débito e saí pelas ruas escuras com uma lanterna (cabô até energia pública) e fui no shopping à pé comprar uma pizza e voltei. Sério, que fase.

Depois disso, acreditamos que a companhia não teria mais a cara.de.pau. de cortar nossa energia até a eternidade. 01 ENGANO.

Levou umas quatro semanas. Eu estava de férias. Era um dia que eu tinha UM TRILHÃO de coisas pra fazer em casa. Faria muitas coisas a manhã toda, encerraria com a louça do almoço e passaria o resto da tarde vendo netflix. Tava lá bem tranquila vivendo, alguém veio e pregou o aviso de desligamento na geladeira. Juntamente com um comprimido de calmante, né? Porque eu dei um ataque histérico.

Passei os dias anteriores ao desligamento resolvendo tudo que fosse possível, carregando netbook (bateria de 10 horas FTW), fazendo downloads, cozinhando, aprendendo a usar o fogão sem acendedor automático, estocando água, essas coisas que qualquer pessoa sã faria. MASSSS, eu lembrei que meu cabelo não pode ser visto em público sem auxílio de energia elétrica e, cara, teria que acordar cedo. Sério, não tem como explicar o desespero. De modos que eu ainda teria MAIS HORAS pra apreciar a vida sem energia elétrica. Fiz um minuto a minuto. Foi lindo.

7:30 - acordei de ótimo humor só que de jeito nenhum. Fui até a janela e tive o desgosto de ver que os trabalhadores educadíssimos já estavam lá, de modos que não era pesadelo. (Mas era.)

7:40 - ~penteei~ o cabelo e considerei apenas voltar pra cama, mas lembrei que o cabelo desmancharia. Chorei.

8:00 - liguei a tv da cozinha e fui assistir Bom Dia Brasil apenas pra me estressar mais um pouquinho (Chico Pinheiro pls). Engatei na Ana Maria e fuén, perdi a hora.

8:40 - saí correndo pela casa, vendo se teria alguma coisa ainda pra fazer. Me perguntei se largava o carro pra dentro e ficava presa forever ou se colocava pra fora e deixava na rua (eu nunca paro na rua), mas percebi que não daria tempo de fazer nada que prestasse mesmo e saí desligando réguas e tomadas e tudo mais.

8:55 - Desliguei tudo, os disjuntores todos, tinha 5 minutos pra praguejar, fui pegar alguma coisa na lavanderia e lembrei que tinha os disjuntores de lá  da casa dos fundos também que... EU NÃO SABIA ONDE FICAVAM. Saí procurando, não sem antes desligar as coisa tudo, quando notei um computador ligado. Mandei desligar e tinha apenas 97 atualizações (de verdade, esse era o número). Eu chorando limão e orando pra dar tempo, com o dedinho no disjuntor restante, sabendo que seria culpada caso desse errado.

9:05 - o computador desligou e não levou 10 segundos até as luzes todas apagarem. Oremos.

9:15 - eu já não sabia o que fazer com o dia. Vou lavar roup... não. Vou ver televis... não. Vou passar aspirad... não. Vou cozinh... não. Vou ler. NÃO VAI NÃO, PORQUE TÁ NUBLADO E NÃO TEM LUZ ENTRANDO PELA CASA. MDDC, o que eu vou fazer com esse dia?????????

9:20 - dormi involuntariamente.

11:40 - acordei emburradíssima, lembrando que não carreguei o celular, que não tinha wifi e não funciona 4G, 3G, edge ou sinal de fumaça na minha casa.

11:50 - comecei a arrumar a casa inteira. Limpar mesas, varrer chão (tentativa de suicídio), arrumar armários, essas coisas normais.

13:00 - fui esquentar o almoço mais sem graça da galáxia e almoçar com muito boa vontade.

14:15 - tentei descobrir como abrir o portão de casa sem o uso de eletricidade e, por algum milagre, fui bem sucedida. Não tinha nenhuma razão pra sair de casa de carro, tranquei o portão de volta.

14:20 - reorganizei todo o meu quarto no mais profundo silêncio e sem ventilador.

15:30 - agonizando com o silêncio completo, liguei o netbook pra ouvir música. Mas lá não tem música porque o HD é pequeno e não dava pra usar spotify ou youtube. Também não tem entrada pra CD. Olha, parabéns.

15:50 - lembrei que tinha um the voice baixado e pensei "serve de música, né?". Coloquei o pen drive no netbook e os codecs estavam desatualizados. Pra atualizar, só com internet ARGHHHHHHHHH

16:00 - acabei a organização do quarto e não consegui achar mais nada útil pra fazer sem energia. A claridade inviabilizava leitura. Entrei em pânico.

16:20 - liguei pra minha irmã e perguntei se queria que buscasse no trabalho. Ela disse que sim. Eu levaria mais de meia hora pra chegar lá naquele horário, então tinha que correr. Odeio dirigir, odeio trânsito, odeio sair de casa sem necessidade, mas PELAMOR, dava pra ligar o ventilador e ouvir música.

16:25 - abri o portão eletrônico, tirei o carro, fechei o portão, travei o portão, tranquei a casa, religuei o disjuntor das lâmpadas e deixei algumas acesas, pra servir de sinal quando voltasse pra casa, saí pelo portão de pedestre, tranquei, entrei no carro e fui rumo ao trânsito.

17:01 - estacionei num supermercado e aproveitei pra comprar guloseimas pra acalmar meu corassaum tão sofrido. Chorei.

17:15 - minha irmã chegou e começamos o caminho de volta pra casa, que fiz lentamente.

17:35 - NUNCA FOI TÃO RÁPIDO VOLTAR PRA CASA DO CENTRO NESSE HORÁRIO, apenas pela sacanagem. Nenhuma luz acesa. Chuva. Saio do carro, entro pelo portão de pedestre, pego a chave do portão eletrônico, destravo, entro com o carro, travo, tranco o outro portão, choro.

17:36 - vejo o vizinho entrando normalmente em casa, usando o controle do portão. Não sei onde está o controle da minha vida.

17:38 - percebo que liguei o disjuntor errado e a energia já voltou sim. Tudo funciona normalmente, com exceção da geladeira e seu painel cheio de frescura. Entrego na mão dedels.

18:00 - tenho um colapso nervoso e começo a fazer ganache de chocolate branco enquanto assisto Boogie Oogie.

19:00 - minha mãe chega em casa e me vê enlouquecida, liga pra companhia de energia e diz que vai pedir não apenas o valor necessário pra arrumar a geladeira, mas também pra arrumar minha cabeça.

*****

Duas semanas se passaram e não tivemos novos cortes de energia.

Estou de férias. Indo pra São Paulo, onde não tem água. Apenas oro pra que no dia em que eu voltar, tenha energia e água suficiente pra eu tomar um banho de 15 minutos (o dobro do normal, tô ostentando).

Enquanto isso, minha psicóloga vai enriquecendo feliz.

Fiquem ligadinhos nos próximos capítulos, porque eu acho que na casa de vocês não falta tanta energia assim.

*chora*