título alternativo:
senta, que lá vem história
Parte I
Eu sei que canso as pessoas com a história de que não tenho
coração. Mas é importante. Toda hora eu vejo um coração ser quebrado, um
olhinho desiludido, uma pessoa estragada for life e não quero ser responsável
por isso. Quando vejo um amiguinho tentando me juntar com outro amiguinho,
sempre me apavoro, porque na hora que eu enjoo, as consequências são
desastrosas. Sou ótima friend with benefits, sou péssima for going
steady [/vó].
Mas se tem um tipo de amor em que eu acredito, esse é o
platônico.
Não precisa ser tão platônico assim, tipo Junior, cuja voz
nem sei qual é ou tipo Chris Evans, que jamais saberá que eu existo. Geralmente
eu friendzono alguém com tanta força, que quando eu mudo de ideia, é
irreversível.
Eu tive dois amor na vida. Um sobre o qual eu sou proibida
de falar, pelas ordens superiores de babã, que sempre vem comentar me dando
bronca se eu quebro a regra.
E outro, para efeitos de privacidade, por se tratar de nome
*famoso*, será chamado doravante de Fidel Castro.
Um parêntese: Fidel não tem esse “““““nome””””” por ser
velho, pançudo e barbudo. LONGE DISSO, deurmelivre. É por razões que a razão de
vocês desconhecerá. Vos digo: Fidel era lindo, magro, alto e de cara lisinha 12
anos atrás, Fidel permanece lindo, alto, magro e de cara lisinha neste exato
momento.
Parte II
Eu sempre fui meio tapada, sabe? Mas quando o assunto é
relacionamento *amoroso*, eu fico douze miu vezes mais tapada ainda.
Se eu acho que nego tá caído de amor por mim, eu levo um
mega fora não requisitado (“Você e eu? Nunca vai acontecer, beibe.” Quem
nunca?). Quando eu acho que nego é meu amigo de fé, irmão camarada, vem uma
declaração de amor benloca, quando todos na festa resolvem fazer silêncio,
inclusivemente seu namorado e uma pessoa
aleatória na platéia que já declarou amor por você uns tempos antes.
Eu sou a rainha de deixar os aleatórios entendendo errado e
os amor da vida na friendzone. Kill me, kill me now.
Quando eu conheci Fidel, eu tinha acabado de terminar um
relacionamento não amoroso doente, com um cara possessivo. Pra acabar ca vida
dele, eu tava pegando um, pegando geral, pegano
até omosequiçual (quei nunca) e tava lá amando o cerumano não
identificado que não nasceu pra mim. Dei nem bola pro Fidel, porque, entre
outras coisas, nego era lindo, magro, alto, rico e cheio de mulher em volta. Num tinha razão
lógica pra olhar pra minha pessoa. (Eu conseguia ser mais feia com 20kg a
menos, eu era mágica.)
Acontece que numa festa, Fidel achou sensacional o fato de
que eu não estava interessada em álcool. Ou cigarro. Ou dorgas. Ou comida (tudo
tinha carne, ew). Fidel me achou enigmática e diferente e meu cabelo não tinha
chapinha e eu não tinha celular, muito exótica.
Aí vem o fio e me diz que precisa de ajuda em uma matéria
aleatória na faculdade (virge, nos idos de 2000) e que sempre quis pedir ajuda,
mas tinha vergonha e agora a gente era amigo e bláblábláblá, vamo estudar todo
dia no fim da tarde.
Gente, quem que seduz na biblioteca? Eu não sabia que Fidel
tava me amando, ué. Nem quando ele insistia pra que a gente fosse tomar um
lanche no McDonald’s, mas tinha que ser de braço dado, porque a rua era
perigosa e mocinhas indefesas tinham que ser sempre protegidas por um
cavalheiro. Como eu podia adivinhar que Fidel estava me amando, quando pedia
milhões de batatas fritas extras, só porque eu praticamente só me alimentava de
batatas? Quando eu relacionaria o fato de na casa de Fidel sempre ter minha
sobremesa favorita, feita pela própria mamãe dele, quando eu ia lá com os
sentimentos que Fidel nutria por mim? Quem perceberia um gesto amoroso ao
receber uma ligação no meio da tarde perguntando “quer chocolate?” e responder
“quero um de cada” e dali 20 minutos Fidel estar na portaria do seu trabalho,
com um pacote contendo 23 variedades de barrinhas? Muito difícil.
Até que Fidel inventou de estudar aos sábados. E eu, essa
pessoa esperta e inteligente, não conseguia me tocar que o celular dele tocava
bilhões de vezes, enquanto ele dizia “claro que não vou sair, vou ficar aqui
estudando com você”. E tudo que eu fazia? Estudar.
Fidel me buscava em casa, me buscava no clube, me buscava no
raioqueoparta e depois me levava de volta, no sábado, e eu achando que ele
queria estudar.
Um dia, Fidel cansou de estudar lá pelas 10 da noite. Me
chamou pra dar uma volta de carro. Alguém me ligou e avisou que estaria na
pizzaria whatevs. Falei pro Fidel me deixar lá (??????) e ele me deu um OU TE MATO.
Eu não entendi porque alguém ficaria tão bravo por uma simples carona à
pizzaria. Antes de eu descer do carro, Fidel ainda tentou, desesperado. “É isso
que você quer, Vanessa? Tem certeza? Se você descer desse carro, não tem
volta.”
Não entendi nada, dei um beijinho na bochecha e desci do
carro.
OITO.ANOS.DEPOIS. (mais conhecido como quatro anos atrás) eu
me dei conta do que tinha acontecido naquele momento, ao passar por um
estabelecimento na rua, ver Fidel lá dentro e sentir uma pontada no coração.
Parte III
Eu tenho um cabelo fino que é um horror. E, segundo
profissionais da área, muito suscetível a intempéries: ou seja, chove e ele vai
pros pés, dos anjos, lá no alto do céu.
Acontece que nesse dia em cueshtã, ele estava mais feio do
que nunca.
Meu cabelo precisa secar sem vento, sem secador, sem nada.
Eu tenho que ficar imóvel por 4 horas, enquanto ele assenta na cabeça. Depois
eu tenho que dormir em cima dele, pra dar aquela amassadinha e acordar
apresentável no dia seguinte, de modos que 3 passadas de chapinha fazem parecer
que eu sei me pentear.
Nesse dia eu resolvi ir pra academia, mesmo sabendo que
teria compromisso depois. E resolvi tomar banho lá. E não levei secador, nem
elástico pra prender, nem pente. Saí do banho, entrei no carro, abri os vidros
e deixei a gadelha secar ao vento. HHAHAHAHAHAHAHAHHAHA parabéns, fiquei tipo a
medusa.
Acontece que também eu levei uma roupa medonha, porque ah, é
rápido, quem vai me ver? Pra quê me arrumar? Maquilage, então, passou longe.
Sério, tava a visão do pavor, o esquadrão da moda me levaria presa sem
julgamento. E foi assim que eu fui pro meu compromisso estúpido, nas
adjacências da rua mais bonita que tem nesta cidade.
Parte IV
Tem uma rua muito linda nesta cidade.
Eu conheci a rua linda quando o menino lindo inventou que
era legal passear ali de braços dados, porque as senhorinhas e criancinhas
passeando com seus cachorros eram muito perigosos.
O menino gostava muito dessa rua, porque era onde seu avô
tinha um estabelecimento comercial muito famoso na cidade e ele cresceu andando
por ali. O que ferra muito minha vida, porque sempre que eu passo pela rua
linda e pelo estabelecimento que não vem mais a ser da família e pelo
estabelecimento que vem a ser do menino, eu penso “ai que burra, putaqueopario”.
E eu passo nessa rua com muita frequência, porque fica no
caminho de tudo que eu gosto. Sempre ando do outro lado da rua, ou de manhã,
porque é quando não tem chance de passar pelo amado Fidel. Os anos não foram
bonzinhos comigo e eu não quero que as pessoas da faculdade descubram o quanto
eu embaranguei, muito menos as lindas. Muito menos quando meus cabelos estão do
avesso e eu estou vestida de mendiga.
Mas semana passada eu tive que passar por lá no fim da
tarde. E enquanto eu atravessava a rua, eu ouvi o som da risada de propaganda
de salada que Fidel dava do outro lado da rua (mano, era numa esquina, eram
quatro esquinas, tem esquina pra cacete nessa história).
Eu em uma, Fidel na outra, um posto de gasolina na outra e
uma esquina que não está na história.
Ouvi Fidel e paralisei.
“Não vou lá nem a pau.”
Mas aí eu vou me arrepender e passar o resto da vida
pensando aimeldelsaimeldelsaimeldels, como eu pude perder essa oportunidade,
deve fazer uns 10 anos que não falo com ele e mimimimimi.
“Vou lá agora acabar com a palhaçada.”
Mas aí ele não vai lembrar quem sou eu e vai ser o maior
mico da história e eu vou ter que me matar em seguida sem nem ter escrito uma
carta de despedida.
Enquanto isso, eu não percebia que minhas pernas estavam cravadas
no chão, sem possibilidade de me mover. Eu.não.conseguia.sair.do.lugar.
Fidel atravessou a rua até o posto e eu pensei “atravessa
também! Vai casualmente comprar uma água no posto, ó que romântico. FAZ ALGUMA
COISA!!!”. Mas a perna não mexia. Fidel atravessou a rua de volta e eu lá,
plantada. Fidel adentrou o recinto de seu estabelecimento comercial e eu lá,
plantada. Tive um ataque histérico dentro de uma lojinha aleatória, de onde eu
olhava Fidel ***discretamente*** e quase achei que estavam cogitando me chamar
uma ambulância. Me conformei (só que não) com o fato de que tinha perdido o
timing, mas tava hiperventilando tanto que tive que, de fato, comprar uma água.
No posto.
Passei pela esquina que não estava na história, entrei no
posto, comprei a água e esbravejei contra o universo. Quando fui atravessar a
rua de volta, o farol de pedestre fechou. Desafiei o cosmos:
- se essa porcaria de vida faz algum sentido, quando eu
passar na porta, Fidel vai sair de lá de dentro.
QUERIDO LEITOR. Eu passei na porta e... Fidel SAIU de lá de
dentro. Começou até a tocar musinha de comédia romântica na minha cabeça.
Mas ele saiu de costas pra mim e em menos de 3 segundos,
pessoas se aglomeraram pra falar com ele. Abaixei a cabeça em sinal de derrota,
quando, a 10
centímetros da colisão, Fidel se virou pra mim e POF,
colidimos.
(Eu poderia escrever um livro ruim tipo Nicholas Sparks com
a minha vida, vôticontá.)
Fidel obviamente lembrou da vaca que deu um fora nele por
ser burra demais, mas foi educado mesmo assim. Me abraçou, me deu uma beijoca,
falou de amenidades, convidou pra tomar um café. Outra hora. Não pediu meu
telefone haahhahahahahahhaa. Ok, eu estava HORRÍVEL, mas né? Eu tinha
esperanças.
Mas eu não sou inconveniente. Não quer, não quer, beijo, tchau,
passo aí qualquer hora pra colocar o papo em dia (só que nem pensar).
Continuei pela rua amaldiçoando o meu eu estúpido do
passado, que poderia ter um marido lindo hoje em dia, ou não, meu cabelo, minha
cara, minhas banha, a vida.
Parte V
Uma semana se passou e eu estava ali tomando café cos
amigue, porque a vida não para. Conversa vai, conversa vem, eu conto da
catástrofe sobre Fidel e que vai levar outra vida pra eu superar de novo e de
quem foi a ideia estapafúrdia de escolher um café a quatro quadras da casa dele
e OH WAIT OMG OLHA ALI NA JANELA!!!oneone11
Fidel passou lindo e fitness, correndo pela janelinha do
café, fazendo um jogging dos rico na noite curitibana.
Cê fica sossegado 10 anos da sua vida sem ter notícia de um
cerumano e em uma semana ele consegue arruinar dois dias perfeitamente
tranquilos sem nem se dar conta disso.
Estou aqui no aguardo do próximo encontro casual e do fim de
livro romântico, sem que ninguém tenha que morrer ou casar ou ter doença
terminal ou whatever. Porque nos livros homens lindos sempre ficam com a moça
baranga (taí Bridget Jones que não me deixa mentir) e eu não vejo uma razão pra
não acontecer comigo.
Parte VI
Aí eu fico uma hora inteira escrevendo bobagens que ninguém
vai ler, saio pra pegar um copinho de água e fico pensando.
E SE Fidel tivesse pedido meu telefone? Tem aquela
comoçãozinha de começo de relacionamento, mais ainda por ser uma coisa de
milhões de anos de expectativa. Aí tem aquele mês em que todo mundo se esforça
e deixa alguma coisas de lado. Depois vem o mês em que um entra na rotina do
outro. E tem os amigos dele e os meus amigos. E minhas idas a museus com
exposições estúpidas e cafés no centro e o amor dele pela praia (credo) e pelas
baladas que tiram fotos suas e colocam em sites, porque seu nome faz as pessoas
irem até a balada supracitada. E o trabalho dele em horas estúpidas e o meu
cheio de burocracia e vamos casar? Vamos ter filhos? Vamos viajar pra onde nas
próximas férias? Vamos pra floripa no feriado? AI MEU DEUS FAZ PARAR.
Eu me dou conta de que não nasci pra esse negózdi
crescer-reproduzir-morrer, acho muito ótimo que eu não vá estragar Fidel Castro
com as minhas maluquices e vou dormir bem tranquila, enquanto a TV passa
esquadrão da moda.
Meu cérebro tá estragado e não tem volta.
Fim.
(E nos episódios anteriores, achei o relato superior sobre Fidel (na época, com outro nome fictício, aqui)