Ninguém vem com um selo.
Quando você vê alguém pela primeira vez no trabalho, na sala de aula, na academia, não é todo mundo que você registra. A pessoa fica ali orbitando na sua visão periférica e você nem sabe se daqui 5 anos vocês serão melhores amigos, se você jamais terão se conhecido profundamente, se vocês continuarão cumprimentando um ao outro educadamente sem nem saber como se chamam.
Cada vez que eu conheço uma pessoa nova e ela passa a ficar cada vez mais presente na minha vida, eu tento lembrar o momento exato em que ela chegou e como eu percebi aquela hora.
Tem aqueles amigos de infância que você conhece há 30 anos (idosa) porque alguém estendeu a mão e ofereceu um brinquedo. Porque perguntaram se você queria entrar na quadra e jogar queimada, em vez de ficar só olhando pelo alambrado. Porque três crianças desesperadas procuravam uma quarta pra fechar duplas no jogo de tabuleiro. Vocês se apresentam e você nem imagina que dali 8 anos estarão sentadas no quarto de uma delas, chorando porque ninguém dança com você na festinha americana. Dali 20 anos estarão chateadas porque a outra casou com a pessoa errada. E dali 30 anos ainda estarão segurando a barra uma da outra, mesmo a 800km de distância. Ao mesmo tempo, uma daquelas 4 crianças do jogo de tabuleiro tomou outro rumo na vida e mesmo depois de vocês serem tão grudadas que todo mundo teve que raspar a cabeça, porque não paravam de pegar piolho juntas (true story), você nem sabe se ainda está viva tanto tempo depois.
Acontece.
Ninguém vem com um selo.
Você entra numa aula da faculdade totalmente na defensiva, porque sua vida social foi destruída depois de uma fofoca, mas você ainda sabe que aquele é o pior professor que já existiu. Então você pensa que o melhor a fazer é respirar fundo e torcer pra esse ano acabar (no primeiro dia de aula, pensa num wishful thinking). Aí você entra na sala e tenta compreender a enxurrada de informação que tá acontecendo, o pior professor que já existiu distribuindo grosseria sem nem saber quem são aquelas pessoas, você se dá conta de que será um looongo ano e segue sua vida, tentando se tornar invisível. Mas um dia ele - o pior professor do mundo - senta na mesa ao seu lado e começa uma conversa que se parece muito com uma conversa pessoal. Seis meses depois ele te empresta um livro, mesmo tendo deixado bem claro que nunca emprestaria um livro na vida. Um ano e meio depois ele te pergunta se você quer sair dali e te leva pra tomar um refri e te apresenta pros amigos como sua pessoa favorita. Dois anos depois, você dá um item de vestuário de presente no aniversário dele e ele não apenas usa até gastar, como conta pra todo mundo que tá bonito porque você que escolheu. Dois anos e meio depois ele nem precisa perguntar o que você vai comer, porque já sabe. Ele inclusive faz seu prato de comida sem nem te consultar e acerta tudo que você colocaria dentro. Quatro anos depois ele aparece de bermuda e camiseta 8 horas da manhã na sua sala no trabalho, fica com ciúme do coleguinha que divide sala com você e tenta mostrar que ele que é o dono do seu coração. Cinco anos depois ele te conta que vai ter um filho (com alguém que não é você) e você sente o chão sumindo debaixo do seu pé. E você tenta lembrar como é que alguém que um dia chegou gritando que não gostava de pessoas e provavelmente não gostaria de você acabou se tornando essa pessoa, que derruba o mundo quando vai embora. E 10 anos depois você ainda se pega olhando na janela onde ficou olhando ele ir embora pela última vez, fazendo graça pelo estacionamento, porque foi ali a última vez que vocês foram felizes. E você se dá conta que não tinha como evitar nada disso.
Porque ninguém vem com um selo.
Um dia você tá tranquila entre seus amigos e chega uma pessoa nova, com quem você antipatiza logo de cara. E você evita ir a lugares onde ela está, porque você acha desgastante ter que gastar suas energias pra tratar bem uma pessoa que te trata com animosidade e etc. Coisas ruins acontecem, amizades se abalam, o mundo gira e um dia vocês dão um passinho, depois outro, depois outro e PÁ, a coisa vira amizade e seis anos depois, a pessoa com quem você mal podia trocar um oi sem revirar os olhos é uma das suas amigas mais próximas, uma das pessoas em quem mais você confia e que não te deixa na mão. Não tem como prever isso.
Porque ninguém vem com um selo.
Um dia você está lendo alguma coisa na hora do recreio e alguém senta perto de você. Você começa a rir e ele te pergunta o que você tá lendo, porque você parecia triste, mas aquilo te fez rir. E ele diz pra você não ficar lendo no sol, porque o reflexo na página do livro vai te deixar cega e você pensa "me conheceu faz 5 minutos e já tá dando palpite?". E ele passa a ficar sempre por perto quando você está lendo pelos cantos, até que você passa a ler menos e conversar mais. E você muda toda a dinâmica dessa meia hora diária, até o dia que nem lembrar de carregar um livro você lembra mais. Vinte anos depois, vocês estão no bar de madrugada, fazendo guerra de palitinho de dente picado, com fome, porque já fecharam a cozinha (dum mardito bar no meio da cidade de são paulo e nem são duas da manhã!). Dois dias depois vocês estão morrendo de fome novamente, porque aparentemente não sabem planejar refeições e perderam a hora numa exposição (onde chegaram 10 da manhã, mas esqueceram de almoçar até depois das 4 da tarde) e planejando visitar cemitérios pela arte. E você ainda guarda uma camiseta que ele te deu em 1994 (que um dia foi lilás e hoje é só branca e cheia de furo), mesmo ele não tendo a mais remota memória de ter te dado isso e ainda diga que revirou a casa procurando a bendita sem saber que fim levou. E a vida dele muda, sua vida muda, vocês moram a milhas e milhas de distância, mas você sabe que daqui mais 20 anos vocês ainda estarão rindo das mesmas bobagens e procurando a felicidade em bandeirinhas de são joão.
Ou você espera que estejam. Porque, né, ninguém vem com etiqueta.
"Esta pessoa vai ficar um mês na sua vida, vai desgraçar tudo, vai sumir e vocês nunca mais vão se ver."
"Vocês serão amigos por anos, um dia você vai ver o rosto numa foto e não vai lembrar o nome do indivíduo nem pra salvar sua vida."
A gente nunca sabe o que vai acontecer. A gente nunca sabe que impacto a pessoa vai ter na nossa vida naquele primeiro oi, na hora que alguém te diz aquele nome pela primeira vez.
Quando alguém te apresenta ele pelo sobrenome, que você tem certeza que já ouviu antes, você não sabe que um ano depois vai ter um mini ataque cardíaco cada vez que escuta esse nome de novo, quando alguém pergunta "você veio aqui só pra ver o ~infeliz~?".
Quando ele se debruça no balcão na sua frente e olha pra sua cara por 30 segundos, com uma expressão indecifrável, e você sabe que é porque você provavelmente está fazendo a mesma coisa com a sua inseparável bitch face, você não imagina que um ano depois vocês não vão nem precisar usar palavras pra se comunicar.
Quando a pessoa insiste em puxar assunto com você, é tão incômodo que você ~posta no feice~ que não aguenta mais os subterfúgios pra arranjar conversa e que pelo jeito que a pessoa respira você já sabe que ela vai abrir a boca e começar a falar. E um ano depois, sua hora favorita do dia é quando vem um um "vaneça..." e o despejo de abobrinha sem fim, que faz seu dia ficar bem mais divertido.
A gente nunca sabe quando uma pessoa improvável entra na nossa vida a importância que ela vai ter. A gente nem imagina o tanto que vai se apegar e o desespero que vai ser quando parecer que ela tá escapando (não porque quer, mas por força das circunstâncias). A gente nunca sabe o papel ridículo que vai fazer pra não deixar ir embora tão cedo, pra não acabar o que nem começou. Quando a pessoa chega e você não sabe nada sobre ela, você nem imagina que um tempo depois ela vai ser uma das suas pessoas favoritas, que vocês vão chorar de rir, que vocês vão falar sobre o nada madrugada a dentro, que vocês vão ter uma intimidade incompatível com o lugar e com o tempo e com todo o resto, que isso vai causar estranhamento em tudo mundo - porque você é uma pedra de gelo que todo mundo tenta derreter há duzentos anos e ninguém consegue - e você não vai nem ligar.
Quando a pessoa chega, você nem imagina que um dia o maior medo que você vai ter é que ela vá embora.
Não vai ainda não. Fica, vai ter bolo.
:)