Vocês acham que são atraídos pras pessoas que supostamente devem cruzar suas vidas? Não tô falando de destino nem nada, tô falando que tem vezes que parece que algumas pessoas precisam fazer parte da sua história, mas não sei explicar bem o porquê. Uma coisa meio Carl Sagan assim, sabe? Meio teoria do caos. Meio talvez eu precise de psicotrópicos.
Eu já morei em muitos lugares, estudei em tantos outros, viajei pra mais ainda. E, sempre que eu conheço alguém, eu me pergunto: tudo isso foi pra gente se encontrar aqui? Pessoas por quem eu jamais passaria se não fosse uma sequência de eventos, uma coisa meio efeito borboleta, meio não sei.
Por exemplo: a maioria das pessoas que eu conheço mora na mesma casa a vida inteira. A avó mora 8 ruas pra lá. A bisavó morava por ali, e assim todas as gerações anteriores.
Minha vida não é assim, nunca foi. Onde eu estou hoje é resultado das escolhas que EU fiz. Dá uma sensação de controle sobre a vida, mas ao mesmo tempo, eu me pergunto: será que tem uma força maior que eu que me empurrou até aqui?
Toda vez que eu escuto uma pessoa dizendo "mas eu não sou daqui", eu faço esse mesmo caminho com a vida dela. E acho irresistível perguntar: o que te trouxe pra cá?
Outro dia, sentada numa mesa com várias pessoas, na minha frente uma pessoa que não é daqui.
- E como é que você veio parar aqui, então?
E a pessoa me conta a história de como, se tivesse desviado o olhar, passado por outro corredor, parado pra amarrar o tênis ou comprar uma coxinha, nós jamais estaríamos sentados de frente um pro outro numa mesa de restaurante.
Quando eu cheguei em casa, eu chorei, porque precisa tão pouco pra perder o primeiro dominó que empurra a cadeia. Mas eu chorei mais, porque às vezes o dominó que começa tudo fica no caminho de empurrar aquele que faz as coisas acontecerem.
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Eu tenho esse defeito de achar que todo mundo entra na nossa vida por alguma razão.
Inclusive gostaria de adicionar mais gente naquela lista. Eu sempre vou lembrar do dia em que escutei um nome não familiar quando perguntei "quem era". Sempre vou lembrar que formei a opinião da primeira impressão por causa de quem me respondeu o nome, muito mais do que pelo dono dele. Eu sempre vou lembrar do dia em que, desconhecidos, sentávamos em lados opostos de uma sala grande e cheia de gente e eu escutei "eu sei que preciso conhecer uma menina hoje que não sei quem é". Não esqueço o olhar de apreensão quando eu acenei e disse "a menina sou eu".
E alguma coisa se conectou, porque não demorou muito pra apreensão se transformar em afeição e as frases se tornarem "eu sinto saudade quando fico muito tempo sem falar com você" e "você me faz bem".
Pra ser bem sincera, eu nem notei. Notei, é claro, já que reproduzo aqui. Não notei o que significavam, no entanto. Minha dificuldade de conexão faz com que frases como essas saltem aos meus ouvidos e acionem um sinal no meu cérebro, me avisando que aquela pessoa me considera importante e pode ser importante pra mim também. Mas depende de muita análise diária, uma certa obsessão mental que faz com que eu repasse diálogos exaustivamente na minha cabeça até decidir o que as coisas significam. Não é uma coisa consciente ou controlável, é como é.
Mas meu cérebro também se prende em padrões independentemente da minha vontade e, quando eu vejo, ele está me mandando um relatório detalhado de coisas que meu eu consciente nem percebeu, mas estavam ali por algum tempo. E obceca tudo de novo por analisar e entender e repassar e ter certeza de que eu não estou vendo coisas.
De repente, a certeza vira confusão, porque eu paro de analisar o que eu tenho e passo a projetar o que ainda não aconteceu. E, já diria sir Arthur Conan Doyle, it is a capital mistake to theorize before one has data. Insensibly one begins to twist facts to suit theories, instead of theories to suit facts.
Então eu me pego pensando se as coisas estão todas acontecendo dentro da minha cabeça ou se estão acontecendo mesmo e eu só estou tendo dificuldade de processar. Porque é difícil mesmo e porque se houvesse um pilar ou outra cadeira ou uma borboleta batesse as asas no Japão e criasse uma brisa mais forte naquele momento, nós provavelmente não moraríamos nem no mesmo país neste momento.
E talvez a gente não viva no mesmo país no próximo momento.
Mas o caos que nos trouxe até aqui e nos deixa a uma mesa de distância (ainda que às vezes a gente caiba sob o batente da mesma porta e eu consiga ver de perto todos os cílios em volta desses olhos que são tão bonitos e você nem nota e pede pra tirar uma foto dos meus) é o mesmo caos que impede o último passo que falta. Que na verdade nem falta, porque depois de tudo que já se disse, será mesmo que faz diferença?
Às vezes eu gosto de pensar que foi por causa de situações como a nossa que Platão filosofou e criou o plano em que tudo é possível sem ser, que as coisas acontecem sem acontecer, onde se experimenta sem realizar. Não satisfaz, mas também não estraga o que por ventura não se tem certeza em deixar pra trás. E gente ainda pode dizer que é lá que as coisas são perfeitas, eternas, imutáveis e incorruptíveis, mantendo a ilusão de que o que acontece lá é ainda melhor do que o que nos prende aqui.
Pra ser sincera, de vez em quando eu gosto de pensar que as coisas não dependem tanto de mim. Algumas vezes eu prefiro esperar que o primeiro dado seja empurrado por outra pessoa, pra poder dizer que não fui eu que comecei, que a culpa da entropia não é minha. Desta vez, não fui eu que empurrei, não fui eu que bati a asa, não fui eu. Eu nem tinha visto as peças todas tombando, eu não tinha sentido a brisa, eu não vi a onda vindo.
Agora a onda está aqui e eu esqueci como nadar. A água está me levando e eu sei que em algum momento a correnteza vai me deixar na areia, mas eu não sei em quantas águas-vivas eu vou me queimar antes de chegar lá.
A verdade é que eu ainda sei como nadar. O problema é que não importa pra onde eu decidir remar, eu nunca vou chegar onde eu gostaria de estar. Na ilha só tem coco, o barco à vista está à deriva e na costa eu vou ter que explicar por que estava na água in the first place.
Talvez não seja minha culpa. (Provavelmente não é culpa de ninguém.)
Mesmo assim, quando eu penso em todas as pequenas coisas que poderiam ter acontecido - e nas que de fato aconteceram - pra desviar o caminho que nos traria até onde paramos um na frente do outro, minhas mãos segurando seus braços, sua voz escrevendo que me ama no ar ou a distância cortante de quando você me esquece (ou me deixa de propósito), eu ainda agradeço que você tenha escolhido exatamente aquele lugar no avião.