quarta-feira, 7 de agosto de 2013

~cisney~ branco em noite de lua



Eu nem sei por que vou contar isso, mas é que eu tava outro dia tentando lembrar de um acontecimento do passado e acabei abrindo uns arquivos antigos e me deparei com essas fotos e lembrei dessa história idiota, que está guardada apenas no fundo do meu cérebro e provavelmente em outros 4 ou 5 cérebros e pensei "por que não destruir mais um pouco da minha imagem já tão escangalhada na internet?"

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Meu pai trabalha na Marinha do Brasil desde quando eu era muito pequena, de modos que é como se ele sempre tivesse trabalhado lá. Eu e meus irmãos passamos anos intrigadíssimos na portaria, porque ninguém menor de 18 anos podia passar dos portões. E morremos todos de tédio quando finalmente pudemos entrar e não vimos nada demais. Mas como papis sempre sentiu amor pelas forças armadas, hinos cantarolados pela casa sempre foram normais. Especialmente esse do Cisne Branco.

Não sei se vós vos recordais [/pedância], mas na época dos 500 anos do Brasil alguém achou maneiro fazer réplica das caravelas pra virem de Portugal pra cá e uma delas acabou virando o novo Cisne Branco. O barquinho é tipo Doctor, em Doctor Who, e vai regenerando kkk. Uma das funções desse navio é funcionar como escola. E essa é a introdução da história de como eu fui parar abraçada na âncora do Cisne Branco.

JURO.

Um dia eu resolvi que seria especialista em logística e em negócios internacionais. Aí tava eu lá na faculdade, sendo muito perseverante em provar que mulher também pode sim ter esse tipo de profissão, quando um professor muito jovem e muito bem relacionado resolveu oferecer a uma das 8 turmas que teve naquele ano um passeio por Paranaguá. Meu, sério. Qualquer outro ciclo em que eu tivesse resolvido fazer essa matéria teria me feito perder esse momento. Mas eu sou muito sortuda e estava com o timing muito favorável.

Pra quem não conhece (eu também num conheço, vou fingir propriedade no que tô falando porque não há vontade suficiente pra usar o google), Paranaguá tem um porto importante, tem um alto escoamento de soja e tem um parque de container que vinha a ser muito moderno 10 anos atrás, quando essa história aconteceu. Incrusível, o professor fez questão que fôssemos visitar o porto justamente pra ver um empilhador de container mágico, que fazia um pátio gigante parecer um joguinho de tetris.

Então fomos viajando bem bonitos de ônibus de Curitiba pra Paranaguá, uma pequena guerra dos sexos acontecendo lá dentro, uma pessoa me oferecendo um frasco de X-14 e eu respondendo com toda a minha meiguice, arremessando um copo de água mineral na cara do infeliz, rasgando a bochecha dele com o metal da tampinha (hahahahah) e coisa e tal. 

Chegando lá, fomos primeiro nos armazéns de soja. E se eu puder dar apenas uma dica pra vocês, minha dica é nunca vista preto ao visitar um armazém de soja. Eu fiquei marrom em 2 minutos. Felizmente me deram máscaras, porque pensa numa alergia? E ratos HHAHAHAHHAHAH. Cê acha que tá sendo lindo e vegetariano comendo soja, mas tem tanto rato lá no meio que talvez não.

Aí fomos num outro negócio (devo confessar que essa é minha parte menos favorita da logística e eu tava prestando mais atenção no clima que no evento?) de transporte de líquidos para o qual eu não tava nem ligando, porque a gente tinha que ficar vendo dutos e tubulaçõesZZzzZZZZzz e usar capacetes horrorosos e acho que ninguém tava mesmo interessado nessa parte.

quem estou de capacete diferente do de todo mundo?

Fomos pro maravilhosíssimo pátio de containers, a parte disneylândia da viagem pra maioria dos presentes, e ficamos lá, chorando água do mar, enquanto a pessoa dirigia um U invertido gigante empilhando e desempilhando containers colororidos. Quando achamos que nenhuma profissão era mais legal que essa, descobrimos o ofício de ~prático~ ou "manobrista de navio", pros leigos. COARENTA MIU DINHEIROS pra passar o dia de bermuda e chinela no mar, manobrando navio. Onde manda currículo?

Só tinha um navio gigantesco de Itu atracado, mas gente, o negócio era da altura de um prédio de 900 andares. Meu profes foi lá tentar conseguir que eles deixassem a gente subir no navio, até que alguém se tocou da bandeirinha chinesa, na época do hype da gripe asiática HAHAHAHAHA. Nem os pessoal do porto deixou, nem ninguém ia querer. 

Nesse momento, nos demos conta de um naviozinho menorzinho, quase imperceptível perto do ponto vermelho gigante: ~cisney branco~ tava lá, atracadinho, de buenas, apenas apreciando a marola.

O profes muito do cara de pau se aproximou da belíssima embarcação e perguntou se 30 desocupados poderiam, de repente, assim, sem compromisso, visitar o navio. Pra nossa surpresa, a resposta foi sim. Aí começou meu pesadelo.

Eu tenho PA-VOR de água. Cê não tá entendendo. Eu sou a pessoa que entra numa balsa e desce imediatamente do carro. Se ninguém sai da minha frente, eu passo por cima das pessoas e saio pela janela, mesmo que o carro só tenha porta na frente. E isso é a descrição de um acontecimento. Eu pulei por cima das pessoas, dos bancos, saí pela janela e fui lá catar a bóia de salva vida. Se esse trem afundar, eu não quero morrer, ok? Eu sei nadar, já me salvei de afogamento em mar revoltado apenas com as minhas habilidades físicas, mas eu não quero ser tragada por um monte de ferro afundando. EU TENHO PAVOR DE BALSA, eu ando 300 km se puder evitar andar sobre o mar.

Nunca imaginei que isso se estenderia a um navio atracado.

Mas foi pisar no convés e imediatamente começar a passar mal. Eu não conseguia parar de pé com eficiência e o alto movimento de manobras naquela hora no porto deixava o mar agitado e o cisney branco balançando loucamente e eu ficando verde no convés. Aí eu fiz o que qualquer pessoa normal faria: me dirigi pra saída. Veio um marinheiro de 4 metros de altura e 2 de largura e me agarrou pela cintura de modos que meus pezinhos deram passos no ar, enlouquecido, dizendo "cê tá lôca? só sai daqui quando o capitão autorizar!!!!".

Meu, então cê vai AGORA achar esse infeliz, porque eu não vou ficar aqui não.

Alguém acabou obrigando o marinheiro a ficar de meu babá e eu fiquei lá reclamando e quiseram me dar dramin, mas eu tenho alergia a dramin (se eu falasse que a reação consiste em desmaio quase instantâneo que perdura por umas 14 horas, aposto que teriam amassado e me dado na água) e ninguém tinha mais nada pra ajudar, de modos que o marinheiro teve a brilhante ideia de organizar o povo em grupos pra irem fazendo uma excursão pela belíssima embarcação, apenas pra garantir que eu ficasse distraída.


    
tá vendo esse pequeno negão no meio da foto? meu personal marinheiro.

Então a gente foi pra sala de jantar de festa, um negócio de muito bom gosto, com um carpete vermelho cabaré e móveis escuros, lustre estilo candelabro, uma finesse. Tudo com telas pra vídeo conferência, muito moderno, parecendo coisa de filme do James Bond, sabe? Aí sala de jogos, sala disso, sala daquilo, desce aqui esse lance de escada, vamo ali na cozinha.

Uma cozinha gigante, linda, tipo industrial, com a típica cena de pessoas descascando batata (sério) facas ginsu gigantescas, o tio lá cozinhando loucamente e alguém sugere entrar no freezer. Entramos e é engraçado, porque parece filme, um frio infernal lá dentro. O marinheiro gênio diz que a porta é tipo cofre e eles se divertem fechando ozotro lá dentro e eu tenho o trigésimo oitavo ataque de pânico desde que botei o pé no navio e tenho que ser carregada pra fora do freezer aos gritos, e o moço me acalmando "ó, tá vendo, tá aberto, calma, calma".

Em minha defesa, só posso dizer que aquele balanço todo afetou a minha meninge (q) e meu labirinto e eu fiquei assim com as travas comportamentais mais quebradas que o normal.

Continuamos o passeio, tudo era mesmo muito bonito e espaçoso, ainda mais se comparado com o lado de fora (TARDIS, alguém?) e eu não me dei conta que já estávamos no quinto lance de escadas, quando chegamos num corredor estreeeeeeito, com quinhentas e vinte mil portinhas, mais parecendo um cenário de pesadelo. Vinha a ser o andar dos quartos. Fomos andando pelo belíssimo carpete vermelho, até chegar no quarto do nosso personal marinheiro. Ele abriu a porta e disse pra gente entrar e olhar à vontade. Aí eu fui lá olhar na janela e, especialmente burra como eu estava aquele dia, perguntei se ficava assim sempre embaçado por causa da maresia. Ele riu. Eu apertei o zóio e vi alguma coisa voando. Fui olhar mais de perto e vi que a coisa estava NADANDO. Comecei a gritar tudo de novo, me arrastaram pro corredor, onde eu tentava, mas não conseguia explicar que estava MORRENDO DE MEDO DE MORRER AFOGADA, porque eu fiz as contas e entendi que estava cinco andares pra baixo do nível do mar, socorro, SOS, mandem a guarda costeira, ajuda, mayday, mayday.

O marinheiro, coitado, me pegou por baixo dos braços e saiu me arrastando escada acima, enquanto eu gritava por socorro e dizia que não conseguia respirar (tô sentindo uma vergonha tão grande ao lembrar disso, pelamor) e aí os grupinhos espalhados foram se juntando, porque eu tava chamando só um pouco de atenção e de repente tava todo mundo no convés e eu no chão ao gritos, tossindo, tendo ânsias de vômito, fazendo a afogada e pedindo pelo amor de deus pra alguém achar o capitão, porque eu PRECISAVA sair daquele navio. Mas o capitão estava ocupadíssimo fazendo sei lá o que e não podia parar sua importantíssima atividade pra ir salvar uma mocinha indefesa.

Depois do chilique semi finalizado, o marinheiro tentava me botar de pé e eu desmontava tipo aqueles burrinhos que tinha na casa das avós, que a gente apertava embaixo e ele desmontava, sabe? Eu tentava andar em linha reta e fazia uma parábola. Não tinha condição nenhuma de sobreviver naquele ambiente inóspito, quando o marinheiro teve a brilhante ideia de me catar no colo, me levar até a âncora e falar "abraça aí, fia". Eu abracei. "Fica quieta", e eu fiquei. E fiquei lá por infinitos minutos, até todo mundo acabar de visitar o navio, o comandante finalmente aparecer e dizer que podíamos sair.

Se você me perguntar como foi que eu saí do navio, eu te digo: tenho a mínima ideia. Alguém provavelmente me arrastou pra fora. Só sei que fiz o papa ao botar os pés na terra firme e beijei o chão. Do porto. Se foi porque eu quis ou porque eu caí de cara, jamais contarei.

Voltamos para o ônibus em silêncio, 8 pessoas me amparando pra que eu permanecesse em pé. Para a sorte dos envolvidos, voltei em situação total de destruição, de modos que não pude mais atentar contra a vida ou a face de mais ninguém. 

Chegando em Curitiba, descobri que ainda teria que voltar pra casa de ônibus, porque minha mãe achou que não tinha nenhuma necessidade de dirigir até o centro da cidade pra me buscar depois de um dia que eu só fiquei passeando HAHAHHAHAHA. 

E, o mais impressionante: um dos meninos, que até aquele dia nunca tinha me dito nem oi, quanto mais tratado bem, declarou amor eterno. Mesmo morando no quinto dos infernos, foi me acompanhando de busão até em casa, só pra eu não ir sozinha e garantir que eu não fosse vomitar HAHAHAHAHAAHAHAAHAHAHHAAHAHAHHAHA. Eu realmente não vomitei, mas só constatei a beleza em que eu me encontrava ao chegar em casa. Marrom de soja, descabelada por um hit combo soja + maresia + colo de marinheiro, com a cara verde igual de desenho, olheiras e ó, nem um urubu me acharia cheirosa.

Como a gente desperta amor assim, jamais saberei.

O importante é que eu entrei num navio brasileiro feat. caravela comemorativa e você não. Fui carregada por um marinheiro negão maravilhoso e você não. Arranjei um namorado demente e você não. Tô contando isso num blog em que qualquer leitor de língua portuguesa pode ler e você não.

Reflita.

Para minha própria sorte, em 2003 as pessoas não tinham smartphones ou câmeras fotográficas de boa qualidade ou até mesmo redes sociais (oremos), de modos que não há registros da minha cara de pateta dando chiliques de hora em hora tipo a telesena, ou 27 status de instagram com a legenda #abraçada #na #âncora #vergonha #bafão #alok #paranaguá #cisney #branco #negão #labirintite #kkkkk #chantagem #seferrou #x14 #agressiva #vergonha #incidentediplomatico #orgulhinhodopapai.

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Nunca mais cheguei perto de um porto na vida, nunca mais pisei num navio (nem numa balsa) na vida, mas marinheiro eu vejo toda vez que vou visitar meu pai no trabalho. Incrusive, se alguém puder mandar umas ondinhas pra São Paulo pra eu ter desculpa pra ser carregada por um deles quando estiver por lá, tô aceitando. Só que não.