Então eu acordei numa manhã ensolarada, às 5 da manhã (em que meu celular insistia em marcar o horário do Brasil, alegre uma da madrugs), porque era dia de ir pra Cardiff e eu queria 1) aproveitar todos os segundos possíveis que me restavam em Londres AND 2) fazer a mágica de enfiar toda a tralha adquirida em 10 dias em uma mala grande-mas-não-tanto.
Antes das 6 eu já sabia que não ia acontecer, porque infelizmente, minha mala não era uma TARDIS.
E é neste momento que pessoas que não assistem Doctor Who começarão a boiar. Só pedir ajuda nos comentários, se achar que deve.
Lembrei de uma lujinha perto do meu hotel que vendia malas gigantes, mas apenas na discretíssima cor ROSA. Mas não era assim um rosa antigo, um rosa bebê. Era Barbie sai de férias.
Desamassei a cara, subi até a superfície (hahahaha num guento com meu quarto under the stairs) e orei pelo comércio de horário bizarro londrino. Se a loja estava aberta 1h quando eu passei por lá, quais as chances de estar aberta de novo às 6h? MAS ESTAVA AEAEAEAE É TETRAAAAAAAA e eu comprei a mala rosa, que cabia minhas coisas, eu, uma família de 8 pessoas e Itu.
A vantagem de uma mala desse tamanho é pesar apenas 800kg. E eu tinha que carregar essa mala, a mala que eu já tinha comprado no meio da viagem e meu corpinho esbelto escadaria acima, depois até a estação Bayswater, descer já na primeira parada em Paddington e pronto.
SÓ.QUE.NÃO.
Me arrumei bem linda e 10 da manhã estava pronta, de café da manhã tomado, tudo empacotado. Meu trem saía 12:45h de um lugar que ficava, numa previsão pessimista, a uma meia hora dali. Mas eu sou prevenida (hahahhaha) e saí do hotel 10 da manhã mesmo.
Levei meia hora só pra subir a escada com malas que pesavam 48kg (fiquei sabendo isso no aeroporto alguns dias depois D:) e passar as oito portas corta fogo até a recepção. Saí rumo à rua com muita alegria por passar por calçadas londrinas e não curitibanas com aquele peso todo. Tava tudo muito suave até eu entrar em Bayswater e lembrar que tinha que descer um lance imenso de escada com aquelas duas malas. E depois subir as duas no trem. Depois descer as duas do trem. Nunca descabelei tão rápido.
Cheguei em Paddington 3 minutos depois e mais um trilhão de degraus em seguida, eu estava prontinha pra embarcar umas 11h. HAHAHAHAHAAHHAHA.
COASE.DUAS.HORAS. parada num terminal de trem. PQP.
Aí, é claro, eu precisava ir ao banheiro e o banheiro era pago e TINHA.QUE. ser em moedinhas e eu não tinha moedinhas e fiz a coisa mais coerente do mundo: comprei uma garrafa de água pra ter trocos.
Simples, né? A não ser pelo fato de que o freaking banheiro ficava no centro da terra, e tinha que descer DOIS LANCES DE ESCADA pra chegar lá AHHAHAHAHAHAHAHAHAHAH. Não sei quem tava mais desesperada, se era eu ou as véia que mal conseguiam chegar vivas e secas lá embaixo. Mas eu desci com as minhas duas malinhas singelas - levando apenas 20 minutos no processo. Foi só depois do pipi amigo que eu me dei conta que teria que SUBIR com as malas. Comecei a chorar no pé da escada e não sei de onde saiu um funcionário da estação e subiu minhas mala tudo. UM BEIJO PRA VOCÊ, TIO.
Fui em todas as banquinhas. Todas as lojas. Todos os lugares em que uma pessoa com duas malas gigantescas pode ir e o tempo não passava. Fui pra uma sala tipo essas salinhas vip de rodoviária e fiquei lá vendo tv. Uma meia hora antes de o trem chegar, eu precisava desesperadamente ir ao banheiro de novo e comecei a chorar na sala de embarque, porque eu não tinha mais estrutura física ou emocional praquele horror. Uma senhora começou a me encarar e eu comecei a encarar de volta e ela ficou numa pose super na defensiva, porque eu tava com olhos de horror (se você nunca me viu quando eu preciso ir ao banheiro, nem queira). Aí eu larguei minhas noção tudo pra trás e perguntei se ela trabalhava lá.
A cara dela mudou automaticamente de apreensiva pra amorosa e eu pedi pelarmodedeus pra ela olhar minhas malas só pra eu poder ir ao banheiro com dignidade e ela segurou minha mão e disse pra eu ir.
E ó, se ela roubasse minhas mala tudo, azar. Tem coisas na vida que não dá pra deixar pra depois.
Mas ela era realmente um amor. Disse que achou que eu estava olhando pra ela com cara de desconfiada (a mulher era negra e eu só me dei conta nesse momento) e eu disse que tava mesmo era desesperada pra pedir favor, mas não queria parecer a brasileira descompensada que não sabe se comportar. Ela riu e me avisou que meu trem já ia chegar. ARELUIA.
*****
Cê já viajou de trem, amigo rico? Eu nunca tinha viajado. Até eu entender a ordem dos vagões, até eu achar o meu, até eu entender que no hay bagageiro... Olha, quantos neurônios gastei. A sorte da minha linda pessoa foi que devia ter mais ou menos 8 pessoas indo pra Cardiff num total de uns 200 assentos, de modos que larguei minha mala na área pra cadeira de rodas sem ofender ou causar prejuízo pra ninguém. Se o trem estivesse cheio, eu não sei o que faria. NÃO.TINHA.ESPAÇO.PRA.MALA.
No meu vagão, apenas eu e um Robert Sheehan desnutrido, pude me acalmar com a localização das minhas tralhas. Liguei meu tocador de musga e o que ele tinha escolhido pro shuffle? A música do título, dessa senhora escocesa. Tudo bem que eu pulei a escócia na minha viagem britânica, mas eu achei apropriado. Me deixa.
Eu achei a viagem de trem toda muito maneira, os banquinhos são mais confortáveis que de avião e o balancinho é maneiro. Só não me dei bem com os túneis e minha incapacidade de manter o tímpano intacto em mudanças de pressão. Passei horas encantadíssima com as paisagens, as estações e as paradas no horário absolutamente certo, com segundos de precisão. Sim, eu sei, eu tenho baixas expectativas sobre a vida.
Na hora programada e nem um segundo a mais, chegamos na estação central de Cardiff, onde eu tinha que trocar por um trem metropolitano, já chorando antecipadamente pelo carregamento das malas. Não só um funcionário da estação catou minhas mala tudo, como tinha elevador em todo o processo e o próximo trem já estava na estação e eu só tinha que andar mais uma estação e que bom que tá dando tudo certo porque só nesse momento me dei conta de que não conheço ninguém em Cardiff, não conheço a geografia de Cardiff, não sei onde é meu hotel, não tenho dinheiros em espécie pro táxi e meus mapas estão dentro da minha mala perdida.
Desci do trem em Queen Street e fiz muita força pra não chorar. Mas o clima estava ótimo: depois de dias de sol sem fim na Europa, finalmente um lugar com céu cinza, nuvens e vento gelado. A estação toda trabalhada no aquecedor ligado e foi aí que eu vi a pessoa mais linda que provavelmente meus olhos vão ter visto em toda a minha existência: o moço que ficava de fiscal na entrada e saída da estação.
Não sei explicar o que me deu, mas eu já tava perdida mesmo, congelada, estacionei do lado dele e do aquecedor e expliquei que eu era tapada e tinha perdido meus mapas (lembrar do iphone com mapa de 40 dólar na memória, ninguém lembra) e não tinha dinheiros em espécie, mas precisava chegar no Ibis, se era muito complicado.
O moço que era lindo, obviamente tinha uma voz linda e rouquinha e olhou bem no fundo dos meus zóios e disse "bless you, love, I'll help" com aquele sotaque galês E.EU.MORRI.
Nisso ele chamou outro fulano pra ficar no lugar dele, catou uma das minhas malas e foi andando comigo pela rua e falando comigo e eu quase propondo casamento e morar em Gales pra sempre numa casa branquinha com uma floreira na porta, fazendo feijão com linguiça pra ele em todos os cafés da manhã que ele quisesse me chamar de LOVE, e em aproximadamente uns 15 passos, a gente já tava na frente do hotel. HAHAHAHAHAHA.
Único momento na vida em que eu achei azar ter acertado tanto na escolha do hotel e na função memória do meu cérebro, de lembrar o nome da estação mais perto dele.
BLESS YOU, GALÊS ESPETACULAR CUJO NOME EU NÃO LEMBRO.
Ok, entrei no hotel e um doppelganger duma tia que eu adoro fez o meu check-in. E eu já tava preparada pra outro quarto num poço, mas meu quarto era lindo, tinha uma vista que eu amei, a cama era gigante, o edredom era feito de sol e o banheiro... AHAHAHHAHAHAHA. Melhor banheiro do mundo. Parecia de nave espacial, nunca vou superar.
Achei que depois dessa maratona toda, ia deitar na cama e chorar, mas apenas pulei nessa mesma cama, coloquei casaco, cachecol e saíííí pra comer.
E meu, sou tão eficiente pra viajar pra lugares pra onde ninguém nunca foi que meu hotel estava a UMA.MÍSERA.QUADRA do shopping ♥♥♥♥♥ e o shopping era vários (nem vou tentar explicar) e era do lado de um calçadão movimentado e lindo e cheio de lojas e florzinhas e tipo, o centro da cidade, pub, gente linda, amor no coração, alguém me diz por que eu voltei?
Eu tinha até umas 17h pra passear, porque às 19h eu tinha reserva num restaurante que parecia ser muito maravilhoso e que eu escolhi APENAS por ter aparecido em um episódio de Doctor Who, onde o Doctor, Rose, Cap. Jack e Mickey almoçaram, só o elenco mais maravilhoso do universo comendo num restaurante na baía. Então o plano era me arrumar e sair uma meia hora antes, porque vai saber onde é o restaurante, né?
Pois eu fiquei LOCA no shopping. Mailôca eu fiquei porque de novo, as placas tavam tudo em duas línguas, desta vez galês e inglês. Milhões de anos tentando entender uma língua com a qual eu não tenho a mais remota familiaridade, olhando placas e paisagens e passando frio ♥, e comendo, anotando o nome de todas as lojas e lugares em que eu pretendia voltar.
*****
Seis e meia da tarde, eu estava pronta no saguão do hotel, pedindo informação pro atendente sobre como chegar em Cardiff Bay. Ele me disse pra voltar até a estação de trem Queen Street e andar uma estação até Cardiff Bay e fim. Eu pensei que não podia estar certo, que tinha pegadinha. Estação perto do hotel, hotel perto do shopping e do centro, hotel perto da baía. COMO ASSIM? Perguntei se era longe e ele falou que ia levar mais ou menos um minuto.
Cheguei na estação de trem e o amor da minha vida ainda estava lá na frente do aquecedor. Não achei bilheteria e entendi em 3 segundos como fazia pra comprar o bilhete sozinha, mas né? Fui lá babar no moço e pedir ajuda. hahahahahaha DESCULPA, PAI, DESCULPA BRASIL. Ele me ajudou e eu disse que ia jantar na baía e meique dei a entender que seria muito maravilhoso se ele fosse, mas nada aconteceu. Todo mundo pra quem eu conto diz que eu deveria ter feito a doida e convidado ele pra sair, igual em filme. E vocês tudo devem estar certos, mas eu sou bocó e não fui capaz, ok?
O trem chegou e exatamente sessenta segundos depois eu estava em Cardiff Bay.
A estação é a umas duas quadras da baía, só o suficiente pra você ir andando por construções antiiiigas e modernas, as coisas mais lindas do mundo. Fico #chatiada de não ter conseguido fotografar o Millennium Centre iluminado à noite por motivos de chuva sem sombrinha, porque é uma das coisas mais maravilhosas que eu já vi.
Fui andando naquele frio, no vento, me sentindo a própria mocinha do meu próprio filme. Cheguei à baía iluminada por infinitas luzinhas, barulho de gente, uma das vistas mais bonitas da minha vida. Como todo mundo era incrivelmente pontual e ainda faltava um tempinho pra minha reserva, eu fiquei ali aproveitando a experiência de estar extremamente grata pela minha sorte de ter chegado sã e salva àquele lugar sensacional.
19h eu estava na porta do Bosphorus Turskish Restaurant. Na porta, o Maître me recebe com um sotaque do leste europeu, perguntando se sou eu a brasileira que fez a reserva quatro meses antes. Eu confirmo e ele diz que estavam todos me esperando. ♥
Uma pessoa aparece pra pegar meu casaco, outra pra me levar até a mesa, todo mundo sorri e me cumprimenta. O Maître vai até minha mesa e diz que aquele restaurante é conhecido por ser um lugar romântico (Cê jura? De vidro, em cima da água, com vista pro pôr do sol?) e logo estaria cheio de casais e pequenos grupos, mas que eu ficaria na melhor mesa (e era mesmo, EXATAMENTE a mesa que eu queria, com vista pra baía toda) e sempre alguém estaria por perto, caso eu precisasse de companhia. E que eu era bem vinda pra ficar o tempo que quisesse, sem pressa, pra aproveitar a experiência.
Quase chorei.
No meio do caminho, um me perguntava como eu descobri Cardiff no mapa. Outro perguntava como era o Brasil. Outro perguntava como aprendi a falar inglês. E cada vez que eu mencionava Doctor Who, alguém dizia "você sabia que já gravaram cenas aqui?" e eu empolgava tudo de novo e eles me mostravam a mesa e diziam que era todo mundo muito simpático mesmo, que eles amavam a quantidade de visitantes por motivos de DW e que contariam pra todo mundo que alguém veio do Brasil (tipo, cafundó do judas) só pra jantar lá.
O restaurante realmente encheu e eu realmente fiquei 3 horas lá HAHAHAHAH. Comi como se fosse fina, com entrada, prato principal - um falafel que jamais esquecerei - sobremesa, bebida e ganhei sobremesa porque sou linda. Eu não sou muito fã de doce e aquele doce turco não fez meu estômago feliz, mas eu comi tudo por amor, apenas. No fim, eu perguntei como que fazia pra dar gorjeta, porque né? País estrangeiro a gente nunca sabe e o moço me disse que eu devia fazer como é no Brasil e aceitou os 10% que eu falei que era aqui. Somando tudo isso, minha refeição fina no restaurante chique custou exorbitantes 19 libras, que eu num consigo pagar nem a churrascaria mais podrona da cidade. Quase morri do coração, porque tava esperando largar a mesada lá. De novo, quase liguei pra casa avisando que ia morar em Gales pra sempre.
Como estava chovendo e já era um pouco tarde pra uma pessoa estrangeira e menina andar sozinha na rua, todo mundo ficou preocupadíssimo, querendo me acompanhar ou chamar um táxi ou ir comigo. Eu disse que não precisava, que ia de trem. Me fizeram prometer que eu ia de trem mesmo, não ia andando. Todos foram na porta se despedir e eu não sei se é com todo mundo e não ligo se for. Foi muito especial e maravilhoso e melhor do que tudo que eu podia ter imaginado.
Voltei pro hotel (e cheguei lá literalmente 5 minutos depois de sair do restaurante) decidida a chamar o homem da minha vida pra tomar café, mas obviamente ele já tinha ido embora. Ele e todo mundo, porque a estação funciona sozinha de noite, ó que civilizado. Tem fiscal no trem pra ver se as pessoas compraram passagem, é claro. E todo mundo compra, todo mundo vive lindo naquele país lindo, pra onde eu vou, vou comprar uma cabra, plantar morango e viver de vender geleia.
Com meus planos de arrumar marido arruinados, voltei pro hotel, onde fui esperta de deixar o aquecedor ligado. Entrei no quarto decidida a botar ordem nas minhas tralhas pra economizar os tempos finais da viagem, mas assim que o processo de degelo começou, eu apenas dormi por nove horas seguidas. Acordei bem a tempo de ficar linda - nem contei que a essa altura eu já tinha maquiagens, secadores, roupas e sapatos - pra Doctor Who Experience, o momento mais aguardado de toda essa linda viagem.
Já aviso que será esse o tema do próximo post e sim, já me preparei psicologicamente pra ter zero comentários.
Atá a próxima, amiguinhos.