terça-feira, 14 de maio de 2024

inamabilis


Um ano atrás, quase que neste dia exato, uma amiga me mandou uma mensagem pra me dizer que queria falar comigo. Quase morri nos dois minutos que antecederam ao pedido “você pode ser testemunha do meu casamento civil?”.

Primeiro eu fiquei feliz, porque a gente só pede uma coisa assim pra alguém que a gente confia muito, depois eu fiquei o gif da Nazaré confusa, porque eu jurava que o homem que morava com ela já era marido dela e um dia eu vi por acaso num documento que ela era viúva.

O conjunto da obra viúva casada sempre me deixou curiosa, mas quando a pessoa nunca toca no assunto eu sei que é porque não é da minha conta. Permaneci intrigada, mas sabia que teria as respostas no cartório.

O que de fato aconteceu.

Na hora de ler a certidão pra assinar, eu simplesmente li e assinei. Mas a outra testemunha era uma amiga nossa conhecida pela completa falta de tato. Quando ela leu que o estado civil da menina era – até aquele momento – viúva, saiu aos berros “AAAAAI ACHEI UM ERRO AQUI”. O funcionário do cartório veio conferir com cara feia, minha amiga casadoira totalmente confusa e eu tentando segurar a que gritava “tá certo, só assina e depois a gente conversa”.

Tudo assinado, a amiga agora casada contou pra gente que tinha ficado viúva meses depois do casamento. A história de como isso se deu não é minha pra contar. Mas era o amor da vida dela e foi tudo tão triste que ela não planejou viver mais romance nenhum, mesmo tendo vinte e poucos anos. Menos de um ano depois, o marido atual já estava na vida dela. Casada novamente (bem) antes dos trinta.

Eu convivo com eles há algum tempo e eu vejo como eles tratam um ao outro e sempre achei muito bonito que ela tivesse encontrado alguém tão perfeito pra ela. Tinha dito isso algumas vezes. Quando ela contou a história, ela falou “eu dei muita sorte, encontrei alguém perfeito duas vezes”.

 

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Alguns anos atrás, eu tinha um grupo de amigos muito pequeno e muito unido. Umas dez pessoas. Por afeto e pelas circunstâncias estávamos sempre juntos. Entre essas pessoas, um dos meninos era realmente especial, uma das minhas pessoas favoritas. Fazíamos aniversário com dois dias de diferença e passamos anos comemorando juntos, era muito importante pra mim.

Nosso grupo era – não intencionalmente – um pouco hostil com as pessoas de fora, mas não era com a mulher desse menino. Porque ela era um anjo, igual ele. Então ela era uma das poucas pessoas que convivia com a gente em situação de grupo, sem que ninguém reclamasse.

Em algum momento em 2018, nossas vidas foram se distanciando e os encontros acabaram se tornando um grupo de whatsapp, que era predominantemente usado pra falar bobagem. Até o dia em que um dos meninos contou no grupo que seria pai e foi um momento muito feliz pra todo mundo. Seria o primeiro de nós a ter filho e o grupo acabou ficando (um pouquinho só) mais adulto depois dali.

Pouco tempo depois, aquele amigo mandou uma mensagem pra gente que tirou o chão de todo mundo: estava com câncer, era raro, grave e as chances de sobreviver não chegavam a 10%. Disse que não era pra gente parar de falar bobagem, que ajudava nos dias difíceis. Encarou um tratamento pesado, dava muita tristeza ver a figura definhando nas poucas vezes em que nos encontrávamos ao vivo. Até que um dia, chegou a mensagem que ninguém imaginou receber: deu certo, estava em remissão fazia seis meses, podia se considerar curado.

Então veio 2020 e o encontro que estávamos programando pra março teve que ser adiado por causa da covid. Ninguém achou que duraria tanto e permanecemos fazendo planos pra alguns meses adiante. No começo de abril, ele mandou uma foto do braço, com um bracelete de internação de hospital. O câncer tinha voltado ainda mais agressivo e ainda mais raro. Todo mundo deu apoio moral, “quem já se recuperou de um se recupera de outro” mantivemos as piadinhas. Ele nunca mais saiu do hospital. No fim de abril, a mulher dele que mandou a mensagem pra gente pra avisar que ele não tinha resistido. Não tinham nem trinta anos.

Demos todo o apoio que era possível dar pra ela e pra família, de longe, todo mundo sem poder sair de casa. Por algumas semanas a vida foi assim e de repente se passaram meses, se passaram anos. Algumas semanas atrás, mais um aniversário passou e a viúva fez um post imenso no facebook. Celebrou a vida e o amor que se foi, a família e os amigos que ficaram. Mas o que ela precisava mesmo era contar que estava noiva e pronta pra se casar de novo.

Na postagem, do noivo e da família nova até os amigos e a família antiga, todos os comentários eram de muito amor. Pra ela e pro caminho dela. Foi uma coisa muito bonita, eu fiquei até comovida, mas nem um pouco surpresa, porque essa mulher é uma pessoa realmente incrível.

 

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Essas não são as únicas histórias desse tipo que eu conheço, mas são as que mais me impressionam e mais me fazem remoer a mesma pergunta.

Como é que pode algumas pessoas nascerem com uma habilidade tão grande de receber tanto amor

 

 

 

e outras pessoas serem eu.