- nunca mais vai poder esporte de contato (eu tava pedindo pra entrar no judô), vai ler rótulo de tudo até o último dia da sua vida, vai controlar o sódio, nunca mais vai comer miojo e beber nada diet.
Fora o miojo, em épocas sem vaca (até a vaca magra tava em falta), o resto foi até simples de seguir.
Eu só descobri que E NÃO É SÓ ISSO quase 15 anos depois.
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Beleza, tava todo mundo lá feliz e sorridente, preenchendo formulários, furando dedinhos, sangue na centrífuga. JÁ QUE TAMO AQUI, q q cêis acham de doar sangue?, disse a moça do hospital. Bora. "mas, moça, eu tenho aqui uns problema mental e vou precisar de acompanhamento de perto e que alguém avise minha mãe dois prédio pra lá" pois eu vô tá desmaiano, mas vamo. Chamava um, chamava outro, chamava mais outro e eu lá, mofando na espera. Ni qui finalmente alguém vem conversar comigo.
- olha, lynda, tem uma anemia significativa aqui, não vai poder doar não.
- MEU ANJO, VOCÊ SABE COM QUEM ESTÁ FALANDO???? EU SOU A MULHER MAIS BEM NUTRIDA DO BRASIL!
(Mentira, eu só contestei que tinha alimentação bem saudável e não era possível). Me pediram então pra ir ao HC alguns dias depois, pra fazer os exames numa centrífuga diferente e tal. Fui.
- moça, vamo furar outro dedinho pra confirmar um negócio aqui?
Bom, anemia de novo, números bem baixos de novo.
Cheguei em casa trabalhada no COMÉ QUE PODE, MEU DEUS DO CÉU, marquei endocrinologista e, só deus sabe por que, nefrologista. Endocrinologista foi um erro. Importante frisar que, naquele tempo, eu tinha um corpo de 54kg, cheguei com uma reclamação BEM ESPECÍFICA de investigação de anemia e tive o que? Indicação de dieta de pouca caloria. "Moço, prestenção aqui um minuto, eu não quero emagrecer, eu quero saber por que tão me falando que eu tô anêmica!". E ele respondia de forma muito eloquente "gorda dieta gorda dieta... gorda. dieta! gorda dieta gorda dieta?". Eu não estudei medicina, mas eu muito acho que TIRAR COMIDA da pessoa anêmica não é assim a forma mais correta de lidar com o problema, especialmente sem nem um mísero hemograma, mas quem sou eu, não é mesmo?
Já no nefrologista, eu aprendi coisas novíssimas a meu próprio respeito: o paciente renal (que é a pessoa que tem qualquer especificidade no sistema urinário, estando ele perfeitamente saudável, inclusive), tem restrições pra vida toda. E isso inclui a ingestão de proteínas, especialmente carne e legumes. Mas legume mesmo, não os vegetais que cêis chamam de legumes. Geralmente, as pessoas sofrem uma vida toda pra fazer dieta pobre em carne e feijão, por exemplo, e eu sou agraciada com um corpo que naturalmente rejeita essas comidas. Por um lado, eu e meu rim não sofremos com a privação de proteína, mas meu sangue sim. Pessoas com um rim têm absorção doida de nutrientes e vivem eternamente no limite da anemia, de modos que somos PROIBIDOS de doar sangue. Numa emergência, quem sabe? Mas com um alto custo pros nossos corpinhos. Então, numa situação normal, não pode e fim. E não adianta tentar enganar o pessoal do hemocentro, que o corpo é mais esperto que você e vai avisar que o sangue não tá em condição de ser doado, toda vez.
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Aí o que aconteceu? Em 2019 eu passei a sentir sono enquanto fazia exercício. Mais sono que o normal, que já é muito. SONO. Eu dormi em cima da bicicleta ergométrica kkkkkkkk. Mas deve ser porque eu tô exausta mesmo, certeza. Mas aí, várias parte do meu corpo começaram a dar defeito simultaneamente, tava parecendo painel de nave espacial sob ataque, e eu fiz uma coisa RADICAL: fui no médico.
A médica me pediu oito bilhão de exame e, para a surpresa de zero pessoas, tava tudo realmente uma merda. E uma anemia assim, SUAVE (não). Taca vitamina na pessoa, manda ir num médico, em outro, acaba indo em hematologista (eu nem sabia que EXISTIA hematologista), faz reposição de ferro agressiva toda semana, não adianta, sobe plaqueta, vê a morte chegando cada vez mais perto, vai procurar a razão e acha uma forte candidata. Não vem ao caso, mas o importante é que: de março a setembro, tentaram de tudo até a conclusão que ia ter que fazer uma cirurgia grande. PROBLEMA: anemia.
Se não fizer, morre de anemia, se fizer, pode morrer por causa de anemia. DAORA A VIDA.
Aí tem lá 84 médicos pra explicar a cirurgia, o que vai acontecer antes, durante e depois, e todo mundo batendo numa mesma tecla: vai precisar de transfusão.
Até aí tudo bem, que eu não tenho problema nenhum com a ideia de transfusão, mas a preocupação dos médicos era que a coisa fosse tão feia que nem a transfusão ia dar jeito.
Então o combinado é que eu chegaria ao hospital 12 horas antes, faria transfusão, superdose de ferro, a cirurgia, transfusão durante, nova superdose de ferro e acompanhamento pra avaliar se transfusão depois também, superdose de ferro de novo.
Foi aí que começou a choradeira.
Por que eu passei a minha vida adulta inteira tentando encontrar uma forma de doar sangue, já que eu sou tipo O, mas eu nunca consegui. Eu passo um tempo maior do que seria saudável tentando convencer pessoas que nunca doaram a doar, mas é difícil. Eu me ofereço pra levar, segurar a mão, alimentar e devolver em casa, porque eu mesma não posso doar. E aí, naquele momento, a constatação de que não apenas eu não ia poder doar, mas ia GASTAR. Sangue O. Em plena pandemia, num momento de bancos com baixa histórica de sangue.
Bom.